terça-feira, novembro 29, 2005

Ronaldinho ganhou mais que um clássico

No final de setembro, o Parlamento Catalão aprovou a nova versão do Estatut d’Autonomia de Catalunya. O documento, que rege as relações entre a Catalunha e o governo central de Madri, prevê mudanças significativas em direção a uma maior independência da região, como a elevação da Catalunha à categoria de nação (hoje ainda é chamada de "nacionalidade"), o estabelecimento de relações diretas entre o governo catalão e a União Européia, torna o conhecimento do catalão obrigatório e fala em autodeterminação.

A aprovação do texto iniciou uma enorme briga política na Espanha. O novo estatuto ainda depende da sanção do parlamento nacional, mas criou inegáveis atritos entre catalães – que cada vez mostram mais determinação na conquista de autonomia - e castelhanos – que vêem o fato com desconfiança e receio de País Basco, Galícia, Comunidade Valenciana e Extremadura também exigirem direitos similares em seus estatutos de autonomia. José Luiz Zapatero, o primeiro-ministro, disse apoiar o estatuto, mas os partidos nacionais colocam em dúvida a constitucionalidade do texto. O destino dessa lei dependerá de enormes movimentações políticas, pois dificilmente haverá uma decisão de consenso entre os diversos povos que compõem a Espanha. Por isso, poucas vezes a causa catalã esteve tão saliente no dia-a-dia espanhol.

Diante desse cenário, o Barcelona foi a Madri enfrentar o Real. O confronto, que historicamente sempre carregou junto a rivalidade entre a Catalunha e a capital nacional, ganhou tons ainda mais fortes. Como se a vitória no futebol desse mais legitimidade e força na discussão sobre o Estatut de Catalunya no parlamento espanhol.


Esse preâmbulo serve apenas para mostrar a grandiosidade do feito do time de Ronaldinho Gaúcho, Eto’o e Messi nesse sábado. A importância moral de ter sido aplaudido pela torcida madridista em um momento tão delicado da política regional espanhola. O ‘tapa na cara’ que representa o placar registrando a goleada constrangedora dos culés sobre os merengues. Isso porque ainda se pode dizer que os 3x0 foram até modestos diante da superioridade técnica de um Ronaldinho Gaúcho inspirado e da fragilidade coletiva do Real Madrid.

Luxemburgo colocou em campo um Real com a formação básica que tem feito nos últimos jogos. O problema é que, nela, Beckham fica quase como volante, ao lado de Pablo García. Esse setor ficou despovoado, pois Roberto Carlos tem o costume de subir pela esquerda e Beckham não é um grande marcador (na verdade, ele nunca foi volante). Entre a linha de defesa e o setor de armação madridista - Raúl e Zidane - havia um vácuo em que só Pablo García marcava.

Com tanto espaço para trabalhar, Deco e Xavi trabalhavam sem dificuldades, dando suporte para Ronaldinho e Messi, que voltavam para buscar o jogo, avançavam com extrema liberdade e ‘matavam’ a acuada defesa merengue. Pior, o Real não dava motivos para o Barcelona deixar de atacar. Edmílson, Oleguer, Puyol e Márquez anularam completamente os apáticos Zidane, Robinho e Ronaldo. Raúl, que vinha bem nas últimas partidas, saiu contundido.

O erro de balanço na formação madridista já é antigo. Contra o Atlético de Madri, na única vitória realmente convincente na temporada, o Real tinha, ao lado de Pablo García, um jogador de característica um pouco mais defensiva na proteção à zaga: Guti. Nem precisa ser um gênio para perceber que falta equilíbrio ao clube, mas insistir mais nisso, além de redundante, pode parecer desmerecimento da façanha barcelonista.

Independentemente dos problemas do Real Madrid, o Barça fez uma partida histórica. Até porque, ao ser aplaudido pela torcida blanca, os blaugranas mostraram que não bateram apenas um adversário desbalanceado. O time catalão venceu o quase infinito orgulho da torcida madridista, passou simbolicamente por cima dos castelhanos e superou os argumentos dos nacionalistas na discussão sobre o Estatut de Catalunya.

Ronaldinho Gaúcho não apenas se consolidou como melhor jogador do mundo na atualidade, mas também apresentou sua candidatura a craque que servirá de referência aos demais nessa década. Como já foram Cruijff, Maradona, Puskas, Beckenbauer e Pelé (e não pretendo comparar o talento desses jogadores. Apenas falar de um papel histórico comum). Só falta mostrar um desempenho tão espetacular e consistente em uma Copa do Mundo. O que pode demorar apenas mais oito meses para acontecer.

E abre a possibilidade de os blaugranas aproveitarem a folga da Liga dos Campeões durante o inverno e a crise do Real Madrid para arrancar no campeonato, abrindo caminho para mais um título.

Ubiratan Leal

Imagem: Olé

Obs.: parte de artigo escrito pelo Mr. Balípodo para o Trivela na semana passada. Como o Balipodão ficou fora do ar, vai aqui no Balipodinho. E faz de conta que é da semana passada, hehe.

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