terça-feira, janeiro 31, 2006

Figuras - Hugo Gatti

O estereótipo do goleiro sul-americano, aos olhos do torcedor brasileiro, sempre foi o de um sujeito, no mínimo, excêntrico: cabelos compridos desgrenhados, uniforme chamativo, constantes saídas da grande área, defesas incríveis alternadas com frangos humilhantes, declarações estapafúrdias à imprensa... Pode-se citar inúmeros nomes que sigam essa tendência, como os colombianos Higuita e Henao e o uruguaio Ortiz (de passagem pelo Atlético-MG). Mas há de se creditar na conta de Hugo Orlando Gatti grande parte dessa imagem, ora negativa, ora positiva, dependendo das conveniências.

Nascido em 19 de agosto de 1944, na cidadezinha de Carlos Tejedor (província de Buenos Aires), Gatti estreou na Primera argentina defendendo as cores do clube que o revelou: teve uma atuação razoável na vitória por 2 x 0 do Gimnasia y Esgrima de La Plata sobre o Atlanta. Fez uma carreira notável na equipe tripera platense e chegou a jogar no Racing e no River Plate - mas sua fama foi consolidada no arco do Boca Juniors, clube que passou a defender a partir de 1976.

Pelo time de La Bombonera, Gatti conheceu tanto o sucesso quanto o fracasso. Foi o herói da primeira Libertadores conquistada pelos xeneizes, em 1977, defendendo o pênalti do cruzeirense Vanderlei na decisão por pênaltis pelo terceiro jogo da final, em Montevidéu. Também era ele quem ocupava o arco auriazul quando o Boca sofreu a pior derrota de sua história como mandante: 0 x 6 para o inexpressivo San Martín de Tucumán, em 1988. Ao todo, foram 381 partidas pela equipe mais popular da Argentina (é o segundo jogador com mais atuações pelo Boca, atrás apenas do zagueiro e xerife Roberto Mouzo, com 398 jogos).

Personagem de inúmeras histórias, certa vez admitiu que, num amistoso da seleção argentina contra a União Soviética, em Moscou levou para trás do arco uma pequena garrafa de vodca! Em outra ocasião, atuando pelo Boca Juniors, driblou três atacantes do Estudiantes e deu um passe longo para o atacante Perotti marcar o gol da vitória boquense sobre os pinchas, pelo Metropolitano de 1981 (com Maradona no time). Pelo Metropolitano 1964, ainda defendendo o Gimnasia platense, enfrentava o Boca quando foi marcada uma falta para o time de La Bombonera. Paulo Valentim - ex-Botafogo e maior artilheiro xeneize nos superclásicos contra o River, com 10 gols - cobrou com a força habitual. Gatti, surpreendentemente, abriu as pernas e deixou a bola passar. Respondeu às óbvias reclamações dos companheiros com um argumento insólito: quem se enganou havia sido o juiz, por cobrar tiro livre direto e não indireto!

Encerrou a carreira no Boca Juniors, após uma derrota por 0x1 para o Deportivo Armenio (equipe mantida pela comunidade originária do país caucasiano). Hoje, além de escrever com freqüência para os jornais espanhóis As e Marca e para o Olé argentino, comenta jogos pela ESPN internacional, sempre mantendo vivo seu espírito polêmico e suas pouquíssimas papas na língua, como nos tempos de jogador (certa vez declarou: "Sou o melhor", quando perguntado sobre qual o melhor goleiro argentino de todos os tempos; mas, às vésperas da Copa do Mundo de 1978, insistiu em que não deveria ser convocado pelo técnico César Menotti, pois não se sentia em boas condições físicas, deixando a vaga para Ubaldo Fillol).

Diogo Terra

Imagem: Informe Xeneize

segunda-feira, janeiro 30, 2006

Trombetas de 30 de janeiro

O Apocalipse se aproxima. Não adianta fazer nada, pois o processo é irreversível. Para alertar seus leitores, o Balípodo mostra as evidências de que as trombetas já anunciam o fim do mundo.

* O América luta pela classificação às semifinais da Taça Guanabara.

* Após seis rodadas, o Criciúma luta contra o rebaixamento em Santa Catarina.

* O Atlético-GO lidera o Campeonato Goiano.

* O Paraná é o grande com melhor campanha no Campeonato Paranaense.

* Na mesma semana, o Arsenal foi desclassificado na Copa da Liga e na Copa da Inglaterra por Wigan e Bolton.

* O São Paulo perdeu Amoroso e Grafite e, no lugar, trouxe Leandro, ex-Flu e Corinthians.

* O Palmeiras precisou da ajuda da arbitragem para ganhar do Deportivo Táchira no Parque Antarctica (se bem que, se o juiz não desse os gols irregulares, provavelmente o time marcaria outros. Mas isso é o de menos, hehe)

* Bahia e Vitória estão na Série C.

* O Atlético-MG, que está na Série B, tomou de 3 x 0 do Democrata-SL

...o pior é que há os que já acham isso tudo normal.

Ubiratan Leal

sábado, janeiro 28, 2006

Chutômetro 23

1) Qual o último campeão do Campeonato do Nordeste?

2) De que time é o estádio Altos da Glória?

3) Que jogadores já conquistaram a Copa Libertadores e a Copa/Liga dos Campeões da Europa?

4) A quem pertence a marca “New York Cosmos”?

5) Que inscrições futebolísticas apareceram nos carros de Jordan (GP da França) e Minardi (GP da Inglaterra) no Mundial de Fórmula 1 de 1994?

6) De que clube é esse distintivo?



Dica: é latino-americano e tem nome de um animal que é mais conhecido por ser personagem de desenho animado (não é em português)

7) Que estádio é esse?



Dica: já sediou Copa do Mundo e é quase homônimo a um estádio importante da Inglaterra

8) Quem é o sujeito da foto?



Dica: jogou a Copa de 1966 e, décadas depois, seu filho (que é a cara dele) foi campeão do mundo.

9) Que time é esse? Não precisa indicar o nome dos jogadores, apenas apontar a equipe e sua importância.



Dica: ganhou um título surpreendente e na casa do adversário

10) Que jogo foi esse?



Dica: fácil, né? É só procurar que acha a resposta

Deixe suas respostas no espaço de comentários ou mande para ubiraleal[arroba]gmail.com. NÃO coloquem respostas no espaço de comentários, pois elas serão apagadas imediatamente. A idéia não é distribuir prêmios, apenas brincar. As respostas corretas serão publicadas na próxima semana, ao lado do nome dos acertadores.

Ubiratan Leal

Obs.: Veja as respostas do Chutômetro 22 aqui.

sexta-feira, janeiro 27, 2006

Futebol carioca não precisa se bastar em símbolos

Em época de Estaduais, um discurso muito comum é que, apesar do dinheiro, da força do interior e da situação de seus clubes, o Campeonato Paulista não consegue ter o mesmo charme de seu equivalente do Rio de Janeiro. É verdade, sobretudo por uma característica cultural da antiga capital federal: o cultivo de símbolos e ícones.

Cidade com uma história muito mais longa que São Paulo – apesar de a capital paulista ser 11 anos mais velha, foi por muito tempo apenas uma vila a mais no Brasil – e ex-sede do governo federal, o Rio até hoje carrega resquícios do período romântico em que tudo parecia girar em torno da cidade. Tanto que a identidade brasileira até hoje é construída na capital fluminense. E os cariocas se identificam dessa maneira, ao contrário, por exemplo, dos paulistanos, que esquecem seus símbolos em nome do que eles entendem por progresso.

Essa alimentação de ícones, de momentos de um período muito mais romântico do futebol, do Rio de Janeiro e do Brasil como um todo faz parte do “charme” do Campeonato Estadual do Rio. Até porque é difícil concorrer contra um torneio que, em sua trajetória, tem o Maracanã, um clássico foneticamente tão envolvente quanto o Fla-Flu e uma história escrita por cronistas como Nélson Rodrigues, sempre ao som de uma época em que a música produzida nesse país era muito melhor que hoje.

Ao ver a situação atual do futebol carioca e essa análise, pode parecer que se agarrar a tais símbolos é negativo. Pelo contrário. É parte da cultura do torcedor do Rio de Janeiro e, sem isso, ele perde sua referência. Não é à toa que a decadência do futebol da antiga capital federal começou com a interdição do Maracanã após o Botafogo x Flamengo pela final do Brasileirão de 1992.

O problema é que, sem que muitos percebam, os símbolos perderam seu significado e se tornaram apenas caricaturas. Em teoria, símbolo é um elemento que representa algo real. No entanto, basta olhar a escalação dos clubes cariocas para perceberem que os ícones da grandiosidade do futebol do Rio não representam uma realidade atual, mas um momento do passado.

Assim, os 5 x 3 do Botafogo sobre o Vasco podem ter sido emocionantes, mas soam como conseqüência de um jogo aberto entre duas equipes tecnicamente fracas. A reabertura do Maracanã deve ser festejada, mas o fato de as obras terem atrasado e estarem pela metade mostram que a volta efetiva do estádio ainda está por vir.

Mas nada tão claro quanto o caso de Romário em busca dos mil gols. Por mais que seja um desejo legítimo do jogador, soa como caricatura de sua própria carreira. Até porque um clube com tantas dívidas como o Vasco não deveria gastar dinheiro oficializando jogos-treino. Ou será que a representação real dessa busca do milésimo gol do baixinho são os favores que a direção do Vasco devem ao jogador, grande credor cruzmaltino?

O futebol do Rio de Janeiro não pode jamais deixar de lado o folclore que o cerca, pois é um aspecto cultural de seu torcedor. No entanto, só se recuperará quando conseguir dar algum sentido, uma representação real, a tantos símbolos que criou durante a história. E não achar que ter tantos ícones é glória suficiente.

Ubiratan Leal

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Calciatori Panini 2005-06

Está nas bancas italianas desde 27 de dezembro último a nova edição do “Calciatori Panini”. Para os brasileiros, o lançamento de um álbum de figurinhas está longe de ser algo digno de mobilização no meio do futebol. Afinal, esse tipo de coleção é visto como “coisa de criança”. E, mesmo para as crianças, não soa tão divertido quanto brinquedos mais modernos.

Porém, o lançamento do álbum do Campeonato Italiano é um acontecimento importante no calendário do calcio. Colecionar figurinhas é uma tradição, inclusive para adultos, desde que primeira edição foi publicada, em 1960. Tanto que a publicação chega a ser considerada referência a respeito da formação das equipes italianas nas últimas quatro décadas e meia. A ponto de a associação de médicos ter requisitado a inclusão dos médicos dos clubes na edição de 2005.

O que fica de interessante de analisar, independentemente da curiosidade de ver a importância de álbuns de figurinhas no futebol italiano, é perceber como se cultivar algo que faz parte da cultura do torcedor. Todo ano, a Panini anuncia novidades no álbum. Já houve edições em que havia figurinhas com os jogadores em ação, outras que propunham distintivos e nomenclaturas americanizadas para os clubes e até a incorporação de times de divisões inferiores. Não é só estratégia de marketing, é um meio de criar uma aura especial e dar sempre novo fôlego a um produto ligado ao esporte.

Algumas dessas novidades são incorporadas nas edições seguintes, como apresentar clubes das Séries A, B, C1 e C2, além da liga de futebol feminino. Para a versão 2006, a editora criou figurinhas especiais, com jogadores candidatos a defender a Itália na Copa do Mundo e com os times festejando algum gol (foto).

Porém, até como mostra do investimento que um álbum de figurinhas recebe na Itália, a principal atração é a possibilidade de um colecionador fazer uma figurinha de si próprio, vestindo a camisa do clube que desejar. O torcedor faz a montagem e envia para a editora, que imprime dez cópias e envia pelo correio.

Claro que tudo isso é fora da realidade brasileira. Álbuns de figurinhas já não têm o espaço no futebol brasileiro, ainda meias porque os clubes renovam seu elenco mensalmente e qualquer tentativa nesse sentido fica defasada rapidamente.

De qualquer forma, o mercado brasileiro demonstra uma enorme incapacidade de alimentar seus próprios elementos culturais. Se os italianos conseguiram com álbum de figurinhas, os ingleses com memorabilia como programas de jogos (semelhantes a programas de peças de teatro) e os norte-americanos com os baseball cards, não teria porque os brasileiros não fazerem o mesmo com suas tradições específicas. Depois há os que não entendem porque a Globo empurra o jogo das quartas-feiras para as 22h de forma que possa transmitir, antes, um resumo do dia no Big Brother.

Ubiratan Leal

Imagens: Calciatori Panini

terça-feira, janeiro 24, 2006

E se a primeira bola de futebol tivesse furado?

O marco zero do nosso futebol está atrelado a seu objeto fundamental, a bola. Diferente do passado, hoje qualquer fábrica produz um balão de látex com gomos de napa ao redor, digna de uns 3 ou 4 rachões. Mas o material do passado tinha outra qualidade, sem qualquer inovação como Dry Fit ou efeito da Teamgeist. Para o pontapé inicial do esporte, com o perdão do trocadilho, bastava uma boa redondinha de couro que rolasse pelo gramado.

Charles Miller, arauto do esporte nas nossas terras, fez pompa para a primeira partida. Em um campo na Várzea do Carmo, centro da capital paulista, a Companhia de Gás esperava para derrotar a São Paulo Railway. Como qualquer evento novo em uma cidade que despontava mais e mais para o progresso industrial, eventos esportivos e de esforço físico atraíam uma certa atenção. Empilhados em caixas e escorados em muros, trabalhadores comuns e escravos libertos há poucos anos tentavam entender as regras do jogo.

Liderado por Charles Miller, a São Paulo Railway dominava a peleja. Após um chute forte, a pelota chocou-se direto com uma madeira do muro que delimitava o campo, provocando leves escoriações no esférico. Ainda assim, o prélio teve continuidade.

O time da Cia. de Gás parecia atropelado por uma locomotiva inglesa das mais ferozes, pois perdia por 4 x 2. Nervoso, um forward do team da empresa energética pensou: “faço tudo, mas não vamos perder a primeira!”. Seu ímpeto foi tanto que os sapatos, na verdade botas usadas nas inspeções das instalações, acabavam por ferir o revestimento da bola a cada passe ou chute mais forte.

Mas um lance mudou toda a história do jogo. O terreno não era muito plano e uma indústria que trabalhava com látex vindo do Amazonas despejava destroços do maquinário no local. Uma engrenagem parecida com uma roseta não ficou totalmente coberta e terminou a tarde como assassina de um esporte. O forward tentou a primeira jogada de linha de fundo do football brasileiro pelo lado esquerdo, mas não teve sucesso. A bola estourou ao ficar cravada em uma das pontas do metal, furando seu já calejado revestimento. No lance, o brasileiro ainda tropeçou, caindo direto com o nariz no chão. Ao ver aquela cena, um insucesso em forma de match, os players abandonaram o local rápido rumo ao hospital, abandonando o objeto outrora incensado por todos.

Bento, um operário da “Bhorracharia Amazonaz”, ficou intrigado com aquele abandono. Desceu do caixote e tentou alguns chutes, sem sucesso. Mal pensou em jogar fora e percebeu uma lata de lixo. Chamou a atenção dos amigos e disse que acertaria a bola no cesto, cerca de 4 m longe da sua posição. O trio sentado no muro duvidou e disse que pagaria um doce café se ele encaixasse a murchinha com o seu arremesso.

Em uma flexão de braços, com a força adquirida nos anos difíceis do refino de cana, Bento acertou na borda da lata, deixando o pedaço de couro morto no lixo. Eis que Joseph, o patrão da fábrica que observava todo o jogo do seu escritório, pensou em testar uma nova linha de produtos, bolas de borracha. Com uma visão de negócios rara para a época, passou a testar os projetos com os seus funcionários. Um detalhe chamou a atenção dos funcionários: quem mais acertasse a lata em 20 minutos levaria um exemplar do produto para a casa.

Alguns pares de meses passaram e não haviam regras definidas, mas nos cortiços da capital era comum encontrar meninos derrubando lixos ao passo que criavam um novo esporte, o “bola ao latão”, ou simplesmente “latão”. Mas, em um desses pequenos fatos que alteram o curso da história, algumas senhoras ergueram os cestos. A dificuldade logo virou norma e os postes passaram a balizar o campo, que antes era delimitado pelos recipientes no solo.

Oriundo das ruas, em 20 anos, o bola ao latão já era praticado no Rio de Janeiro e Minas Geraes, crescendo para o Nordeste e o Sul. Como o esporte enfatizava a força física e uma boa mira, acabou sufocando outras modalidades novas. O football de fato só apareceu no Brasil em 1917, em um match feito por Marcelo Nunes, um jovem luso, e Johann Sepp, alemão que tinha rotas comerciais com aquele porto do sul. O país só participou da Copa de 1930 porque era vizinho do Uruguai, mas isso não evitou um 8° lugar.

De volta ao latão, o esporte foi motivo de um incidente diplomático. Nascido em 1890, o basketball dos norte-americanos encontrou seu rival na América do Sul. Em tempos de guerra contra os nazistas, a Disney integrou as Américas com o desenho “Alô, Amigos”. Nele, Carmem Miranda era a torcedora de um jogo entre o Pato Donald e Zé Carioca. No roteiro original, o jogo seria nas regras do basketball, com vitória para os gringos. Reza a lenda que, ao ver a obra pronta, membros do governo Vargas reclamaram e quase que o desenho não foi aos cinemas. No final da história, Panchito, o mexicano, define regras comuns e o jogo termina com vitória norte-americana, mas Zé Carioca ganha um beijo da atriz luso-brasileira que compensa a derrota.

Nas décadas seguintes, a rivalidade só aumentou. Se argentinos, italianos e alemães brigavam no futebol – um esporte que o Brasil apenas beliscou um quarto lugar na Copa da Alemanha, em 1974 –, nossos rivais eram outros. O mundo viu nascer um Triângulo das Bermudas esportivo na década de 1980, com disputas afiadas em Mundiais de basquete e Olimpíadas entre Brasil, Estados Unidos e União Soviética.

O Brasil adaptara as regras do latão ao basquete, mas manteve o nome do jogo original e desenvolveu um estilo de jogo descontraído e de habilidade, criado nos becos das grandes cidades brasileiras. O que os brasileiros chamavam de latão-arte era conhecido nos Estados Unidos como “streetball”. Apesar do talento, os canarinhos não conheciam o sabor do ouro olímpico, o principal título.

Nomes como Bernardo, o Doutor Édson (famoso por dizer que entendia mesmo do esporte) e Sabiá foram decisivos em torneios, com o auge nas Olimpíadas de 1988. Depois de dois Jogos com boicotes, em 1980 e 84, Seul foi palco de uma competição acirrada. Carlos André e Carlos Caetano, alas gaúchos, lideraram o Brasil naquele ano.O país trocou o fuso para ver a dupla encestar adversários. A final contra os soviéticos provocou duas mortes por enfarte, pois um torcedor de Diadema e outro de Maceió não suportaram a tensão do jogo. Sabonis, cestinha lituano, parecia conhecer Pietro, pivô de 1,99 m, desde o útero. Mas a garra brasileira virou o placar para 101 a 100 no limite, 1 segundo antes do apito final.

Em 1992, seria o grande encontro Norte x Sul das Américas. Os Jogos Olímpicos de Barcelona deixariam de lado o atletismo e a natação para acompanhar o grande duelo do latão. Com a permissão de atletas profissionais, os craques da NBA poderiam enfrentar os melhores da LBL (liga brasileira de latão). Assim, em um único ginásio, estariam Michael Jordan, Magic Johnson, Larry Bird, Charles Barkley, Oscar Mão-Santa, Raí Vieira, Rafinha e Bauruzinho.

Para apimentar o jogo, a rede de televisão ESPN exibiu uma matéria sobre a origem do Harlem Globetrotters, indicando que muito do estilo moleque do Brasil seria derivado dos ianques. No dia da final, o técnico Ary Zagal mudou a sua tradicional preleção de outros jogos. Depois de lembrar que “medalha de ouro” tem 13 letras e brigar até conseguir um vídeo NTSC em plena terra do Pal, o treinador não disse nada, só exibiu a matéria e, no final, mostrou fotos de Santos Dumont, Secos e Molhados e Os Mutantes, brasileiros que foram pioneiros mas a história riscou seu livro com cores norte-americanas.

A audiência da TV foi incrível naquele sábado pela manhã. Supermercados fecharam, enfim, os hábitos de sábado mudaram naquele dia. Para completar a festa, a Rede Globo colocou uma câmera ao vivo na casa de Bauruzinho. A sua mãe, dona de um trailer em Nova Iguaçu, disse que quebraria um prato a cada cesta do seu garoto.

O jogo começou nervoso, nervoso. O Brasil entrou em campo com muita vontade e gana, o que acabou deixando o time afoito. Tal qual o jovem tenista Pete Sampras, os gringos eram icemen na quadra. O placar dilatado do começo, 10 x 2, foi contido com uma seqüência de tocos de Rafinha. Em uma vibração contagiante no terceiro toco, acordou o time. A torcida entendeu o recado e começou a bater em ritmo de samba, como se uma ala inteira de ritmistas fizesse um carnaval na Catalunya.

E Bauruzinho começou o prejuízo mais famoso do famoso X-Guaçu. Apenas no primeiro tempo, marcou 23 pontos. Charles Barkley foi advertido com seriedade aos 17 minutos, pois abandonou a bola para empurrar o brasileiro para o chão. A torcida rugia como um Godzilla e conseguia provocar mais e mais. Apesar da forte pegada dos latinos, o talento – e sorte – de Larry Bird construiu um placar de 45 x 43 para a águia no intervalo.

Mas um detalhe marcou aquela “intermission”. O pivô Rafinha não deixava a quadra, apenas pulava e pulava como se fosse um atleta do salto em distância. A equipe médica e até alguns repórteres tiveram de tirar o atleta do peculiar treino antes que ele acabasse machucado.

Na volta da partida, Michael Jordan soube do fato. E o americano, em uma risada no melhor estilo Pernalonga, apenas deu um passo grande na frente das câmeras. “They had Johnny Jump, right? Payback time, heh”.

Até o jovem Marcelo Negrão, que despontava no futebol, estava na torcida, que não parou de gritar desde que o juiz reiniciou o jogo. A partida contava com uma troca liderança no placar inusitada, pois Rafinha e Jordan duelavam para ver quem pulava mais longe e acertava a cesta. A “competição” era motivo de brilho nos olhos daquelas testemunhas até que Jordan tentou pular da linha do arremesso e errou. Rafinha não conseguiu conter a provocação e passou a sambar com a bola nas mãos, tratando da redonda como se fosse um pandeiro. A tradicional bandeja virou pandeiro naquele dia, pois o pivô conseguia dar uma batida com uma das mãos na bola antes de arremessar, como se estivesse tocando um samba. A agitação compensou a redução no pique de jogo de Bauruzinho, que sentia as dores do empurrão de Barkley.

Mas o cardeal americano Bird fez um estranho pedido para o técnico Chuck Daly enquanto a organização limpava o mar de suor que estava a quadra. Em uma jogada arriscada, os americanos teriam Scottie Pippen de um lado e o mago loiro no outro. A aposta deu certo e a diferença de 9 pontos virou em minutos. A 3 minutos do fim, com um placar de 93 x 90, Zagal arriscou e mandou Bauruzinho de volta para a quadra. Era o tudo ou nada.

E foi o tudo do Brasil. A torcida passou a bater no ritmo do samba-enredo vencedor de 1990, Vira-Virou, a Mocidade Chegou. E o ritmo entrou na quadra, com uma seqüência de jogada que parecia uma batida. Rafinha dava o toco nos gringos, passava a bola para Mauro Poste e este observava. Ou ia pelos flancos com Mão Santa e seus três pontos ou deixava que Bauruzinho rugisse com tudo, colocando a bola na cesta com força. Os gringos ainda tentaram, mas o placar de 97 x 95 foi coroado com uma sambada de Rafinha. A cena deu origem a uma das mais famosas campanhas dos tênis Nike, com um ícone feito da silhueta de um jogador sambando a bola.

Quando o jogo terminou, os americanos não acreditavam na cena. Barkley saiu logo para o vestiário, chutando as placas, enquanto Bird e Jordan tentavam consolar o perplexo Magic Johnson, uma estrela sem brilho naquela noite. Já os brasileiros vibravam juntos, quebravam protocolos e iam até a torcida comemorar. Em uma cena digna das enciclopédias dos jogos, Rafinha e Bauruzinho arrancaram duas cestas de lixo da quadra e prenderam nas tabelas. A medalha foi mera lembrança, pois aquele fato atestou que seja latão ou basquete, o Brasil é o melhor na arte de jogar a borracha até o cesto. Tudo porque, um dia, uma bola teria furado.

André Pase

Obs.: Esse “artigo” é uma obra de ficção e, portanto, não deve ser levado a sério. Nenhuma das pessoas, empresas, entidades ou associações citadas no texto foi efetivamente entrevistada ou consultada. Ah, e como ninguém aqui tem talento para ler mãos, i-ching, tarô, búzios, mapa astral ou bola de cristal, qualquer semelhança com a vida real foi uma grande coincidência.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Bolívia vê “revolução indígena” também no futebol

Neste domingo, Evo Morales se tornou o primeiro presidente da Bolívia de origem indígena. Como ocorreu na posse de Lula no Brasil e de Hugo Chávez na Venezuela (e não cabe aqui julgar as escolhas dos eleitores desses países, apesar de tudo ser claramente parte de um mesmo processo na vida política da América Latina), a vitória do ex-sindicalista do setor cocalero levou seu país a uma onda de otimismo e expectativa de mudanças pelo fato de um aymará (segundo maior grupo indígena da Bolívia, atrás dos quéchuas) estar no poder. Pois a eleição de Morales não é o único fato que mostra um aumento da causa indígena na sociedade boliviana. Isso ocorre também no futebol.

Em 2005, foi fundado o Deportivo Pachakuti, clube com sede em La Paz e elenco 100% aymará. Na temporada de estréia, o time indígena teve uma campanha impressionante. As primeiras partidas pela Segunda División de Aficionados da Asociación de Fútbol de La Paz (equivalente à sexta divisão da Bolívia) foram arrasadoras, com 3 x 1 sobre o Santos, 8 x 0 no Boca Juniors, 2 x 0 em cima do Cáli e 5 x 0 contra o Barrientos. No final, a equipe foi campeã com uma rodada de antecipação.

Porém, os resultados do Pachakuti são menos importantes do que seu significado social. Até porque sua criação não está dissociada do fenômeno político boliviano. O clube é um braço futebolístico do Movimiento Indígena Pachakuti, partido político liderado por Felipe “Mallku” Quispe Huanca, também ex-líder sindical de origem aymará.

Mallku (“O Príncipe” em aymará) muitas vezes é visto como aliado de Morales (na foto, ambos estão juntos com Quispe à esquerda), mas ele várias vezes criticou o atual presidente da Bolívia por ter uma postura muito branda. Quispe já defendeu o uso de armas para a tomada do poder, foi acusado de terrorismo pelos Estados Unidos e propõe uma reformulação total da sociedade boliviana para que se adote um sistema semelhante ao empregado pelos incas.

O nome de seu clube de futebol segue sua linha ideológica, ou pelo menos reflete o papel histórico que Quispe se dá. Pachakuti (também conhecido como Pachacútec, dependendo da forma como se escreve em alfabeto latino o nome que, em quéchua, significa “O Reformador da Terra”) foi o maior imperador do Tawantinsuyo (Império Inca). Grande general, ele promoveu um imenso processo de expansão territorial por boa parte dos Andes e da costa pacífica, transformando o pequeno povo no principal império da América do Sul pré-colombiana. Além disso, estabeleceu as bases da organização social e política do incanato.

Neste contexto, o Deportivo Pachakuti é carregado de simbolismos e ideais nacionalistas. A camisa é toda preta com a wiphala – bandeira do povo aymará, vista ao fundo na foto acima – no peito e os jogadores são chamados de “filhos do sol” (de acordo com a lenda, o povo inca teve origem no casal Manco Cápac e Mama Ocllo, filhos de Inti, o Deus Sol). Com isso, Quispe pretende revelar jogadores aymarás que se identifiquem com a causa. Nisso, Mallku pega carona também na discussão do uso indiscriminado de jogadores estrangeiros, muitos naturalizados, no futebol boliviano.

Felipe Quispe pode até desistir de seu projeto futebolístico ou não obter sucesso em divisões mais importantes do futebol boliviano. Mesmo assim, a fundação do Pachakuti foi suficiente para transformar o futebol em mais um fórum para a manifestação dos indígenas do país. Ainda mais em um momento em que o maior líder político do país também tem origem pré-colombiana.


O time-base do Pachakuti na temporada de estréia: Daniel Rojas; Ismael Condori, Víctor Quispe, Álvaro Conde e Froilán Poma; Rubén Osco, Edson Zapana, William Choque e Omar Callizaya; Jheyson Uría e Gueri Guari. O técnico foi Mario Callizaya

Ubiratan Leal

Imagens: La Razón e Wikipedia

Trombetas de 23 de janeiro

O Apocalipse se aproxima. Não adianta fazer nada, pois o processo é irreversível. Para alertar seus leitores, o Balípodo mostra as evidências de que as trombetas já anunciam o fim do mundo.

* Após cinco rodadas, o Bahia é último colocado no Grupo A do Campeonato Baiano. Está atrás de Colo Colo (que não é o do Chile), Poções, Fluminense de Feira de Santana, Camaçari e Catuense. Sem contar que, junto com o Vitória, o Tricolor está na Série C.

* O Flamengo usou o time B nas duas primeiras rodadas do Estadual do Rio para poupar um time formado por Diego; Leonardo Moura, Renato Silva, Fernando e Juan; Jônatas, Júnior, Diego Souza e Rodrigo; Fellype Gabriel e Obina.

* O São Caetano já atuou duas vezes em casa neste Paulistão e em nenhuma das oportunidades teve o pior público da rodada.

* Com Tévez, o aproveitamento do Corinthians no Campeonato Paulista 2006 é de 0%. Sem Tévez, é de 100%.

* Fortaleza e Ferroviário fizeram um clássico no pequeno estádio Presidente Vargas, pois o Castelão era utilizado pelo Ceará, que enfrentava o Guarany de Sobral. E o mando de campo era do Cacique do Vale.

* O único invicto do Campeonato Goiano é o Atlético-GO.

* No mesmo fim-de-semana, Chelsea e Lyon empataram em casa pelos respectivos campeonatos nacionais.

* O Boca Juniors venceu o San Lorenzo.

* O São Paulo perdeu Amoroso, pode perder Grafite e quer compensar com a contratação de Luizão.

* O Betis busca se livrar do fantasma do rebaixamento no Campeonato Espanhol. Para isso, escalou Diego Tardelli como titular neste fim-de-semana.

* O Atlético-MG está na Série B.

...o pior é que há os que já acham isso tudo normal.

Ubiratan Leal

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Chutômetro 22

1) Por que o Espanyol de Barcelona tem esse nome?

Parece-me bem óbvio que a pergunta se refere ao nome do clube em si, e não à grafia. Assim, só considerarei quem respondeu algo parecido com: o clube foi fundado por catalães e o uso do nome "Español" (depois mudou para "Espanyol") era visto como uma forma de contrastar com os clubes de origem estrangeira, como o Barcelona (fundado por um suíço). Curiosamente, essa lógica se inverteu hoje e o clube de origem estrangeira é símbolo do nacionalismo catalão e o nome do Espanyol soa como aceitação ao governo de Madri

2) Por que o Bayern de Munique não disputou a primeira edição da Bundesliga, em 1963-64?

Quem respondeu que o clube foi mal na Oberliga Süd na temporada anterior e por isso não teve um lugar no Campeonato Alemão-Ocidental fica com meio certo. Na verdade, o Bayern foi bem e acabou em terceiro lugar. Porém, só foi aceito um clube por cidade na primeira edição da Bundesliga e o campeão da liga regional sul foi o München 1860. Assim, o Bayern erdeu lugar para três clubes que ficaram atrás dele: Stuttgart, Karlsruher e Eintracht Frankfurt

3) Qual o único clube que já foi campeão italiano e hoje está em ligas amadoras?

Novese, atualmente na Sexta Divisão italiana

4) Em 1990, o Brasil perdeu da Inglaterra por 1 x 0 em Wembley. Nessa partida, um jogador brasileiro recebeu livre, driblou o goleiro Woods (valeu a correção) e chutou para o gol aberto, mas um inglês (que não era goleiro, claro) salvou com a mão sem que o árbitro marcasse o pênalti. Quem foi o brasileiro e o inglês envolvido na jogada?

Müller e Stuart Pearce (atual técnico do Manchester City)

5) Apesar do grande domínio da língua francesa em Camarões (inclusive no futebol), o país também tem como língua oficial o inglês. Qual o mais tradicional clube da parte anglófona de Camarões?

Public Works Department Social Club, ou PWD, de Bamenda

6) De que clube é esse distintivo?



Dica: clube italiano que já disputou a Série A. Molezinha.

Cremonese

7) Que estádio é esse?



Dica: um dos principais estádios alemães que não terão jogos da Copa.

Estadio Weser, em Bremen

8) Quem é o sujeito da foto?



Dica: um dos principais jogadores da história do Botafogo.

Quarentinha

9) Que time é esse? Não precisa indicar o nome dos jogadores, apenas apontar a equipe e sua importância.



Dica: sem dica. É muito fácil.

Crvena Zvezda (Estrela Vermelha) campeão mundial de 1991

10) Que jogo foi esse?



Dica: um dos jogos mais importantes de um clube brasileiro.

Cruzeiro x River Plate, final da Libertadores de 1976

Parabéns para Roberto Piantino, que não participava há um bom tempo, mas voltou com 8,5 acertos e destronou Cláudio Kristeller, que fez 8.

Ubiratan Leal

Para ver as resposas do Chutômetro 21, clique aqui.

Copa Africana de Nações 2006

Nenhuma competição continental entre seleções é tão simbólica quando a Copa Africana de Nações. Afinal, a Eurocopa, com toda sua grandeza, tem o contraponto da Liga dos Campeões e a força dos clubes do Velho Continente. A Copa América tem a seleção mais vitoriosa do futebol mundial e quase 90 anos de história, mas é rejeitada por seus próprios participantes. Já a CAN, não. Essa é a única competição em que os países africanos podem medir suas forças, pois o cenário clubístico africano é fraco. Além disso, a Copa Africana conta com um enorme equilíbrio entre as seleções que a disputam, fazendo dela um torneio mais do que interessante, por mais que o futebol do continente negro tenha desacelerado seu ritmo de evolução.

A edição 2006 do torneio tem boas chances de ser pautada pelas surpresas das Eliminatórias africanas da Copa. Primeiro, vale para observar a capacidade técnica de Gana, Costa do Marfim, Angola e Togo, países que surpreendentemente conseguiram um lugar na Alemanha. Além disso, a CAN pode representar uma certa “revanche” de potências do continente, como Camarões, Nigéria, África do Sul, Senegal e Marrocos, todas fora do Mundial. Afinal, o resultado das Eliminatórias deve ser levado em conta, mas não significa que houve uma inversão na relação de forças na África.

Veja um resumo dos quatro grupos. Como sempre faz, o Balípodo ordena as seleções das que o site considera com mais chances para as que têm menos possibilidades.

Grupo A
Coincidentemente, três dos integrantes dessa chave se encontraram nas Eliminatórias, o que dá um pouco de parâmetros para a análise. De qualquer forma, a favorita da chave é uma seleção que não vai à Alemanha. Jogando em casa com a responsabilidade de se isolar na lista de maiores campeões da África, o Egito deve ser visto como candidato ao título, algo muito além de pensar se passa ou não de fase. Em campo, as principais armas dos faraós são o atacante Ahmed “Mido” Hossan, do Tottenham Hotspur, e o meia de criação Mohamed Barakat, que decepcionou com o Al Ahly no Mundial de Clubes. Também conta pontos a favor dos egípcios uma maior estabilidade tática e o fato de ter mais conjunto pelo fato de boa parte do time atuar em clubes locais.

A segunda força deve ser a Costa do Marfim. Os elefantes souberam juntar os cacos depois de sequer se classificar para a CAN de 2004 (coisa que até Ruanda fez) e montaram rapidamente uma seleção forte tecnicamente e com talento distribuídos pelos diferentes setores do campo. Na defesa, Koulo Touré do Arsenal; no meio-campo, Didier Zokora, e no ataque, a perigosa dupla Didier Drogba e Aruna Dindane. Com a confiança de quem conseguiu a classificação para a Copa, os marfineses podem ser considerados candidatos aos quatro primeiros lugares.

Se egípcios ou marfineses se desconcentrarem, Marrocos não hesitará em tirar uma vaga do grupo nas quartas-de-final. Os leões do Atlas contam com o talentoso – mas ainda jovem – atacante Marouane Chamakh, do Bordeaux, e o zagueiro Talal El Karkhouri. Uma mostra da solidez da seleção marroquina é que ela foi vice campeã continental na CAN 2004 e a única a terminar as Eliminatórias africanas sem perder uma partida sequer. No entanto, a baixa produtividade do ataque preocupa.

Em um grupo com três equipes tão fortes, é difícil ver grandes possibilidades na seleção da Líbia. Ainda assim, o time da terra de Moumar Khaddafi não deve ser menosprezado. Desde que acabou o embargo ao país, no início da década, os líbios estão investindo pesado para colocar seu futebol entre os mais fortes do continente. E isso não é só no patrocínio da Tamoil à Juventus de Turim, mas na realização de amistosos contra boas seleções de outros continentes. Nas Eliminatórias, a Líbia foi quarta em um grupo com Camarões, Egito e Costa do Marfim, mas teve boas atuações e merece algum crédito.

Grupo B
Mesmo fora da Copa, Camarões é favorita destacada da chave. Afinal, têm mais talento e, principalmente, experiência em competições internacionais que Togo, Angola e Congo-Kinshasa. A estrela, claro, é Samuel Eto’o, melhor jogador africano da atualidade. Além de artilheiro, o atacante do Barcelona sabe assumir a responsabilidade de decidir quando defende a seleção camaronesa. O maior risco é o fantasma da desclassificação nas Eliminatórias, com um pênalti decisivo desperdiçado nos descontos do último jogo. Em um momento de dificuldade, esse trauma pode minar psicologicamente Camarões. Algo que nõ pode ser menosprezado.

Atrás de Camarões existe um certo equilíbrio, mas Angola leva alguma vantagem por estar em trajetória ascendente há mais tempo. Os palancas negras rondaram a classificação nos últimos três mundiais e desclassificaram a Nigéria, uma potência indiscutível do continente. Apesar de o benfiquista Mantorras ser o jogador mais conhecido, Akwa é, no momento, a principal estrela angolana. De resto, o time depende muito do conjunto e da determinação dos jogadores, pois falta experiência e até ritmo de competição (a maior parte do elenco é reserva em seus clubes).

Por ter eliminado Senegal e Zâmbia nas Eliminatórias, Togo fica como terceira força da chave. A principal força togolesa é o conjunto armado pelo técnico nigeriano Stephen Keshi, que conta com o atacante Emmanuel Adebayor, do Monaco, como ponto de desequilíbrio. Destaque também para Cherif Touré. Vencer Gana em um amistoso na Tunísia é algo a ser respeitado, mas a seleção é relativamente fraca e deve muito de sua classificação para o Mundial à implosão de Senegal.

A República Democrática do Congo (ex-Zaire e chamado pelo Balípodo de Congo-Kinshasa para diferenciar de Congo-Brazaville, adotando uma antiga padronização) quase certamente será menosprezada pela imprensa brasileira que cobrir o torneio. Mas o time deve ser respeitado. Os simbas têm uma consistência admirável (oitava participação consecutiva na CAN, com um terceiro lugar em 1998) e sempre criam problemas nas Eliminatórias, mesmo fazendo campanhas furtivas. O maior destaque é o atacante Lomana LuaLua, do Newcastle.

Grupo C
Em geral, o futebol africano chama a atenção pela habilidade e vigor físico de atletas da região negra do continente. Por isso, passa desapercebido o fato de a Tunísia ser uma potência africana, conquistando o último título continental e um lugar na Copa do Mundo pela terceira vez seguida. É verdade que a força tunisiana não é a individualidade, mas a experiência do conjunto comandado pelo francês Roger Lemèrre. Mesmo assim, tem no lateral-direito Trabelsi e no atacante Francileudo dos Santos (brasileiro de nascimento) dois nomes que merecem olhares atentos. Discretamente, é uma das favoritas ao título.

As chances da África do Sul estão, em boa parte, na capacidade de o time transformar em futebol a necessidade de manter seu orgulho. Vistos como grandes candidataos a potência continental na segunda metade da década passada, os sul-africanos viram seu futebol ruir em crises internas e na dificuldade de revelar uma quantidade maior de grandes jogadores. A quatro anos de sediar seu próprio Mundial, a África do Sul precisa mostrar que deve ser respeitada no cenário internacional. Com técnico novo (Ted Dumitru assumiu em dezembro) e seu maior talento, o atacante Benny McCarthy, declarando não ter vontade de disputar a CAN, fica difícil esperar algo dos Bafana Bafana. Ainda assim, as quartas-de-final são um objetivo realista.

Zâmbia até hoje vive à sombra da campanha histórica nas Olimpíadas de 1988, quando fizeram 4 x 0 na Itália, e do acidente aéreo que matou quase todos seus principais jogadores durante a disputa das Eliminatórias para a Copa de 1994. A estrela desses dois times é hoje o técnico da seleção zambiana: Kalusha Bwalya. Tê-lo como referência e eventual pára-raio para qualquer cobrança ajuda a equipe, que não esbanja talento, mas tem competitividade suficiente para pensar em chegar entre os oito melhores. O melhor jogador do time é o atacante Collins Mbesuma, do inglês Portsmouth.

A seleção da Guiné é a mais fraca do grupo, mas pode criar problemas. Possui jogadores experientes como Diawara, Feindouno e Balde e tem desempenhos discretos, mas consistentes nos últimos anos (foi quadrifinalista da CAN em 2004). Depende de aproveitar a crise da África do Sul e a falta de um jogador que desequilibre em Zâmbia.

Grupo D
Considerado, com razão, o “grupo da morte”. Assim, apontar um favorito é mais questão de indicação aleatória do que real convicção. De qualquer maneira, a Nigéria começa o torneio como equipe mais forte da chave. Tem os talentos de Okocha e Aghahowa, além da impetuosidade de Obafemi Martins e a experiência de quem disputou as três últimas Copas e sempre é favorita a qualquer coisa no futebol africano. O ponto-chave da campanha das super águias é a desclassificação para Angola nas Eliminatórias. O fracasso pode servir como motivação para provar sua força como motivo de perda de autoconfiança.

Com quase tanto talento quanto a Nigéria está Gana. As estrelas pretas contam com Appiah e Essien, dois jogadores em grande fase, e, com a vaga na Copa assegurada, recuperaram a confiança perdida após sequer se classificar para a CAN de 2004 (ficou em último nas Eliminatórias, atrás de Ruanda e Uganda). Gana sempre foi conhecida como a potência africana (quatro títulos continentais) que dava azar nas Eliminatórias para o Mundial. Agora que, finalmente, tem vaga na Copa, deve priorizar o torneio na Alemanha. Por isso, as chances na CAN 2006 ficam um pouco menores, mas chegam ao Egito como candidatos ao título.

Senegal ficou entre as oito melhores seleções na última Copa do Mundo, mas não soube gerenciar o próprio sucesso. Seus jogadores foram pegos pela soberba e entraram em repetidas más fases. Além disso, perderam autoconfiança após serem vistos como decepção pelos grandes clubes europeus com os quais fizeram bons contratos após o Mundial 2002. Por isso, ficaram atrás de Togo nas Eliminatórias para a Copa da Alemanha. E pela mesma razão são respeitados, mas vistos como incógnita, na competição continental. As estrelas são as mesmas vistas na Coréia do Sul e no Japão há quatro anos: El Hadji Diouf, Pape Bouba Diop e Henri Camara.

O único figurante da chave é Zimbábue. Os guerreiros até têm um bom conjunto e costumam fazer campanhas razoáveis pelo continente, mas deve ser pouco diante de três potenciais semifinalistas. Deve ter como objetivo dificultar os adversários para ver se ganha mais espaço no cenário continental.

Ubiratan Leal

Imagem: Africa Foot

quinta-feira, janeiro 19, 2006

Edmundo e palmeirenses são mitos um do outro

No final de 1994, Edmundo estava em grande fase no Palmeiras. Acabara de ajudar o Alviverde a conquistar o bicampeonato brasileiro (sua importância era tão grande que o clube entrou com pedido de efeito suspensivo para que o atacante jogasse a final contra o Corinthians) e já era cogitado para a seleção brasileira. Mesmo assim, o jogador não teve pudor em forçar sua saída do Parque Antárctica para integrar o suposto “ataque dos sonhos” do centenário Flamengo de 1995.

Pensando por esse aspecto, fica difícil entender como Edmundo foi capaz de mobilizar tanto os palmeirenses nessa sua volta ao clube paulistano e porque seu gol desta quarta, de pênalti contra o São Bento (o primeiro desde o retorno ao Parque Antárctica), foi tão celebrado. Da mesma forma como não parece fazer sentido o atacante demonstrar tanto carinho por uma equipe que ele próprio fez questão de deixar há 10 anos. Porém, Edmundo e torcida do Palmeiras significam um para o outro mais do que a relação ídolo x fã.

O título mais importante da história palmeirense foi a Copa Libertadores de 1999 e o time mais brilhante das últimas décadas talvez seja o do primeiro semestre de 1996 (o dos 102 gols no Paulistão). Porém, o Palmeiras de 1993-94 tem um significado especial. Era uma equipe que despertava o sentimento de esperança de renascimento após os 17 anos sem títulos e, depois de um tempo, passou uma sensação de onipotência a seus torcedores. Afinal, era tecnicamente muito superior ao de 1999 e teve maior longevidade em relação ao de 1996.

O time de 1993-94, com Edmundo, Evair, Edílson, Antônio Carlos, Zinho, Cléber, Rivaldo, Mazinho, César Sampaio e Roberto Carlos foi um ensaio de uma terceira Academia no clube do bairro de Sumaré. Até hoje, esse time gerou dois grandes ícones no imaginário da torcida alviverde: a dupla de ataque Evair e Edmundo.

No imaginário da torcida alviverde, cada um tinha um papel muito bem definido. Evair era o cérebro, o Palmeiras clássico e acadêmico, que se identifica com o periquito. Edmundo era o instinto, como o torcedor mais jovem do Palmeiras, que precisava externar seus sentimentos sem medo de se expor. O palmeirense que se chama de “porco”.

Por isso, a volta de Edmundo remete imediatamente o palmeirense a esse tempo de esperança e onipotência. Um tempo em que tinha um jogador que refletia em campo seu sentimento na arquibancada. O fato de Edmundo nunca ter adotado o discurso de “amor à camisa” é menor perto dessa identificação.

Porém, o carinho é recíproco. Edmundo, apesar das atitudes impensadas que permearam sua carreira, não é um sujeito completamente alheio do mundo e irresponsável. Entre uma explosão e outra, ele não esconde que tem crises de consciência e de que sabe que cometeu erros capitais pelos clubes pelos quais passou.

Apesar de ter mostrado um bom futebol na Fiorentina durante uma temporada, seus grandes momentos foram no Palmeiras e no Vasco. A melhor fase, de fato, foi em São Januário em 1997, mas as brigas com Romário e a diretoria cruzmaltina deixou sua imagem manchada com a torcida e vice-versa.

Por isso, o Palmeiras restou como único lugar em que todos os erros de Edmundo são perdoados. Um lugar em que ele sente que seus feitos em campo eram mais fortes que seus erros. Em contato com o clube alviverde e sua torcida, Edmundo sempre terá a certeza que sua passagem no futebol não foi em vão.

Com tanto simbolismo em volta, o fato de o atacante não ter mais a mesma condição física para mostrar seu talento ou para efetivamente levar o Palmeiras a grandes glórias é secundário. Ao se reencontrarem, Edmundo e a torcida palmeirense se sentem novamente em um tempo em que nada parecia dar errado.

Ubiratan Leal

Imagens: Terra/Agência Lance (Edmundo em 2006) e Forza Verdão (Edmundo em 1993)

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Apito Final

A Bandeirantes parece estar determinada a voltar a ser o “Canal do Esporte”, título que se dava nas décadas de 1980 e 90 com alguma justiça. A emissora paulista voltou a transmitir campeonatos europeus e o Band Sports finalmente tem uma programação um pouco mais consistente (e vai transmitir a Copa da Alemanha). Nesse contexto, ter uma ligação com o passado é fundamental, e por isso é simbólica a volta de Luciano do Valle – narrador que se transformou em marca do canal até pela atuação na defesa do investimento em atrações esportivas – e do “Apito Final”, tradicional mesa redonda da Bandeirantes.

Infelizmente, a primeira edição do programa foi decepcionante. O formato é muito personalizado em Luciano do Valle, com um único membro fixo (o próprio Luiano, óbvio) e mistura de convidados de esportes diferentes (algo perfeitamente aceitável, mas que exige muito cuidado na condução da conversa), falta de foco e, pior, convite a personalidades que muito pouco têm a acrescentar no debate. No programa de estréia, estiveram presentes Zico, Júnior, Roque Júnior, Mauro Silva, José Roberto Guimarães e Tereza Collor.

Assim, a forma era de uma mesa redonda, mas o espírito era quase de um talk show ou de um programa de variedades com convidados. As discussões não evoluem, até porque Luciano parece mais preocupado em colocar todos os convidados na mesma conversa, o que não faz muito sentido quando há pessoas de perfil e experiência diferente no debate.

Diminuir o número de convidados e saber organizar a pauta para que cada um tenha tempo e oportunidade de falar sobre o que realmente entende – como fazia o antigo “Cartão Verde”, da Cultura – é algo necessário ao novo “Apito Final”. Além disso, montar uma equipe fixa, com dois ou três comentaristas seria interessante, pois esses poderiam ajudar a explorar melhor os convidados e ajudariam a cobrir uma lacuna muito grande na emissora que quer voltar a ser referência em esportes (conta aí o Band Sports): uma mesa redonda de grande porte com os principais nomes da casa.

No mais, é fundamental considerar que a Bandeirantes, para retomar o status de alternativa esportiva à Globo (o que hoje está com a Record) necessita adaptar seu formato ao público de hoje. O “Canal do Esporte” de uma década atrás só tem espaço hoje com ares mais novos, algo que os canais pagos (incluindo o próprio Band Sports) fazem com relativo sucesso. Se serve de consolo, a “nova” mesa redonda da Bandeirantes não tem o perfil popularesco-caricato de outros programas de debate futebolístico da TV aberta. O que, pela intenção, já é um enorme elogio.

Mais informações
O "Apito Final" é transmitido toda segunda-feira, às 22h50, na Rede Bandeirantes.

Ubiratan Leal

Imagens: Bandeirantes (logo "Apito Final") e Record (Luciano do Valle)

terça-feira, janeiro 17, 2006

Um festival de futebol

No último domingo, a federação mineira decidiu dar mais uma arfada de ar para a quase sufocada história do Torneio Início. Tratado hoje como um algo fora da realidade ou moribundo, esse tipo de competição é quase tão antiga quanto os campeonatos “normais” no país. E, por mais que nunca tenha recebido valor efetivo, possuía uma grande dose de simbolismo.

Em 1916, a Associação de Cronistas Desportivos do Rio de Janeiro sugeriu a criação de uma competição rápida que reunisse todos os clubes que disputavam o Campeonato Carioca. A idéia era que servisse de uma prévia do estadual, permitindo aos torcedores conhecer todos os times que dele participariam. O público concorria a prêmios e a associação ficava com a renda.

O formato proposto procurava tratar esse torneio como algo lúdico, quase uma brincadeira. Assim, os jogos seriam sempre eliminatórios, com dois tempos de 10 minutos (dois tempos de 30 na final) e desempate em escanteios conquistados. E foi assim que, naquele ano, América, Andaraí, Bangu, Botafogo, Flamengo, Fluminense e São Cristóvão entraram em campo para a disputa do Initium, o primeiro Torneio Início do Brasil. O Fluminense foi campeão ao bater o América na final, em uma edição que teve apenas um duelo sem gols.

Além de apresentar todos os participantes do estadual, o Torneio Início oferecia uma tarde inteira de futebol descontraído e sem compromisso, inclusive com a possibilidade de ver grandes surpresas. Com isso, ganhou espaço e logo se espalhou pelo resto do país.

Os primeiros Estados a adotarem a idéia dos cariocas foram do Norte-Nordeste: Pernambuco e Rio Grande do Norte criaram seus Torneios Inícios em 1919 (Santa Cruz e América de Natal ficaram com as taças) e Ceará e Amazonas o fizeram em 1920 (Bangu, como convidado, levou o título no Ceará e Manaós no Amazonas). Mas não demorou para o Sul-Sudeste também entrar na onda, com São Paulo em 1922 (Corinthians campeão), Santa Catarina em 1924 (Figueirense) e Minas Gerais em 1927 (América).

Os Torneios Inícios tiveram seu auge nas décadas de 1930 e 40. Em 1950, inclusive, o primeiro clube a comemorar um título no Maracanã foi em um Torneio Início. No caso, o Bangu de Zizinho, que bateu o Vasco por 3 x 2 na decisão da prévia do Carioca daquele ano.

Mas já era o início da crise desse tipo de competição. Muitas edições foram canceladas por falta de verbas, data ou disposição, minando a aura de “tradicional abertura” dos campeonatos. Além disso, o futebol já era algo muito grande e exigia infra-estrutura de estádio para as equipes que se reuniriam todas no mesmo local e espaço nas arquibancadas para torcedores de várias equipes.

Para piorar, alguns clubes – os grandes – passaram a considerar esse tipo de competição um desperdício de energia e já não mais alinhavam seus principais jogadores. Assim, o Torneio Início perdia o valor de “apresentar” todos os times do estadual, já que muitos não estavam com sua força real. Ainda servia para mostrar os clubes pequenos e menos conhecidos, mas isso não era algo tão atraente assim.

Os principais Estados, como Guanabara, São Paulo e Minas Gerais, abandonaram o torneio na década de 1950 ou 60. O Rio Grande do Sul organizou apenas quatro edições na década de 1950 e nem deve ser levado muito em conta nessa história. No Nordeste, os valores originais do Torneio Início permaneceram fortes por mais tempo. Alagoas e Pernambuco mantiveram suas competições até a década de 1980.

Hoje, o Torneio Início só é lembrado nos centros mais fortes do futebol brasileiro quando a federação local decide, por algum motivo, fazer alguma festa ou comemorar algo especial. Em São Paulo, a competição foi reavivada em 1984, 86, 91 e 96. Em Minas Gerais, foi disputado em 1983 e 2006.

Ainda assim, esse formato de competição está vivo nos centros menos tradicionais. Nesses lugares, ainda há importância de organizar uma grande festa para marcar o início do estadual e de apresentar os times que disputarão o campeonato aos torcedores. Casos de Acre, Amazonas e Rio Grande do Norte. Aliás, esses dois últimos são os únicos Estados brasileiros que organizam Torneios Inícios com certa constância desde sua criação (há anos em que não há disputa, mas pode-se dizer que o torneio vive de maneira intermitente).


A Adesg-AC comemora o título do Torneio Início de 2005

*

O Balípodo não considera inviável a manutenção dos Torneios Inícios. Desde que sejam devidamente organizados, tenham atrativos aos clubes ($$$) e sejam uma festa. É algo que está muito mais dentro da cultura brasileira do que o “All Star Game” que a CBF organizou entre Corinthians e a seleção do Brasileirão, algo fora de contexto com jogadors que já estavam teoricamente de férias.

*

Praticamente todas as informações históricas vieram do RSSSF.

Ubiratan Leal

Imagens: Jornal Sete Dias (Democrata de Sete Lagoas), Bangu.net (Bangu 1950) e A Gazeta (Adesg)

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Trombetas de 16 de janeiro

O Apocalipse se aproxima. Não adianta fazer nada, pois o processo é irreversível. Para alertar seus leitores, o Balípodo mostra as evidências de que as trombetas já anunciam o fim do mundo.

* Na abertura do Campeonato Paulista, o Corinthians jogou contra um time do interior e foi prejudicado pela arbitragem.

* Não há nenhum clube grande paulista entre os 16 primeiros da Copa São Paulo.

* Neste fim-de-semana, Atlético-PR, Coritiba e Paraná perderam no Campeonato Paranaense.

* O Flamengo jogou contra o Nova Iguaçu e houve quem considerasse o time da Baixada Fluminense favorito.

* O bandeirinha Guilherme Dias Camilo conseguiu a façanha de ter de sair de campo escoltado pela polícia após um “jogo” entre Guarani e Villa Nova no Torneio Início mineiro.

* Alguém teve coragem de marcar jogo às 15h (sol das 14h) no verão do Rio de Janeiro.

* O Manchester City vai terminar a temporada sem derrota para o Manchester United.

* Em situação financeira delicada, o Vasco ainda perde tempo e dinheiro para oficializar jogos-treino só para contentar Romário (OK, o Romário é um dos maiores credores do clube, mas é forçado demais).

* O Atlético-MG está na Série B. E Bahia e Vitória estão na C.

...o pior é que há os que já acham isso tudo normal.

Ubiratan Leal

Por que a arbitragem continua ruim?

Depois do escândalo envolvendo Edílson Pereira de Caravalho e do caso do “Bruxo” do Paraná, virou moda nas comissões de arbitragem do Brasil anunciar medidas para melhorar o nível das arbitragens. A que mais fez isso foi a paulista porque, afinal, o epicentro da máfia do Gibão era São Paulo. No entanto, logo na primeira rodada do campeonato bandeirante, deixou-se de dar um gol legal ao Corinthians, de marcar um pênalti para o Palmeiras, de anular um gol ilegal do mesmo Palmeiras e de dar um pênalti para o Santos. Isso só para falar nos jogos dos times grandes (o São Paulo teve sua estréia adiada). Por que os juízes continuam errando tanto?

A resposta básica é que nada de prático mudou. As medidas anunciadas têm sempre a ver com “punição exemplar aos que errarem”, “cursos de reciclagem”, “idoneidade pessoal” ou “pré-temporada específica”. Isso tudo é importante e reduz (mesmo que pouco) erros de arbitragem por desonestidade (vender o resultado) e desconhecimento da regra. No entanto, ainda está longe de atingir a origem da maior parte dos problemas de apito.

Muitas vezes, o árbitro não erra por desconhecimento da regra ou por falta de punição, mas por intranqüilidade e falta de independência para trabalhar. O sistema não pode estar vinculado a uma estrutura de federação, em que favores políticos dão o tom em qualquer conversa. O juiz não pode ouvir, antes de um jogo, que “o presidente do time X observará com muita atenção sua atuação, viu?”.

A estrutura atual tem base em favores e critérios pouco definidos, mesmo para as punições. Assim, um árbitro sabe que tem de pensar em outras coisas além dos lances da partida quando apita. Um exemplo foi a final do Mundial de Clubes. No Brasil, um juiz que anula (mesmo que corretamente, como foi o caso) três gols de um time que perde um jogo decisivo por 1 x 0 provavelmente terá problemas. Porque a federação para a qual ele dá satisfação não dará suporte às suas decisões. Prefere ouvir as reclamações dos dirigentes do clube perdedor, que dirão que um juiz que anula três gols de um time no mesmo jogo certamente estaria mal intencionado.

Assim, as comissões de arbitragem acabam funcionando sob mecanismos intangíveis. Muitos apitadores preferem, assim, conduzir a partida pelo que considerar mais “adequado”, buscando apenas passar incólume (famosa “lei da compensação”) ou contentar o lado politicamente mais influente (jogo de bastidores que se reflete no constante favorecimento aos grandes clubes sobre os pequenos) ao invés de marcar o que ele interpretar como correto pelas regras. Mesmo que seja para errar, ele tem de ter consciência que quem for analisar sua atuação o fará com independência e também priorizará as regras e a situação do jogo e não a conveniência política.

Claro que pouco se faz para mudar essa relação porque nessa influência sobre os árbitros mora boa parte do jogo de poder no futebol. E também porque muitos árbitros preferem que isso se mantenha para poderem trabalhar nesse contexto. Menos arriscado para quem já aprendeu a navegar nesse mar revolto.

*

Essa regra vale para a arbitragem mundial. Em uma Copa do Mundo, por exemplo, o juiz nem tem de dar muita satisfação às equipes que ele pode prejudicar. Mas terá de dar satisfação à Fifa... Difícil saber o que é pior.

Ubiratan Leal

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Chutômetro 21

1) Que cidade italiana sediou jogos da Copa de 1934, mas não recebeu partidas em 1990?

Trieste.

2) Qual o clube argentino que tem um balão como símbolo?

Huracán. Como homenagem ao tradicional globo portenho, o Huracán de Tres Arroyos adotou o mesmo distintivo e também foi cosniderado.

3) Qual foi a decisão do último torneio oficial envolvendo apenas os principais clubes da cidade do Rio de Janeiro?

Flamengo 0 x 0 Olaria na Copa Record de 2004. Para os muitos que citaram a Taça Cidade Maravilhosa de 1996, a decisão foi Botafogo 3 x 0 Madureira. Quando Botafogo empatou com o Flamengo em 2 x 2 na última rodada, o título já estava decidido.

4) Que equipe (narrador + comentarista) transmitia os jogos do Brasil na Copa de 1982 pela Globo?

Luciano do Valle e Márcio Guedes.

5) Apesar de não ser fanático, qual o time de David Gilmour, guitarrista do Pink Floyd?

Arsenal.

6) De que clube é esse distintivo?



Dica: homônimo de um grande clube sul-americano.

River Plate do Uruguai.

7) Que estádio é esse?



Dica: caso raro de estádio que homenageia um árbitro. E um árbitro que teve muita importância na decisão de uma Copa.

Estádio Tofig Bakhramov, em Baku, Azerbaijão. Tofig Bakhramov foi o árbitro da União Soviética na Copa de 1966 e, na final entre Inglatera e Alemanha Ocidental, ele foi o bandeirinha que deu gol no chute de Hurst.

8) Quem é o sujeito da foto?



Dica: importante jogador da Grécia campeã européia.

O zagueiro Traianos Dellas.

9) Que time é esse? Não precisa indicar o nome dos jogadores, apenas apontar a equipe e sua importância.



Dica: jogou uma Copa e empatou com o campeão da edição anterior do torneio.

Tunísia de 1978, que empatou com a Alemanha Ocidental em 0 x 0 e, ao bater o México por 3 x 1, se tornou a primeira seleção africana a vencer uma partida de Copa do Mundo.

10) Que jogo foi esse?



Dica: final de uma copa européia de clubes.

Porto 2 x 1 Bayern de Munique, final da Copa dos Campeões de 1986-87.

Parabéns para Cláudio Kristeller, que acertou 9,5 questões (errou o Márcio Guedes). Menções honrosas a Rodrigo Krüger (8,5) e Luciano Fitochi (8).

Ubiratan Leal

Para saber as respostas do Chutômetro 20, clique aqui.

terça-feira, janeiro 10, 2006

Aos poucos, parece que estão aprendendo

Era uma coisa relativamente previsível, mas é bom constatar que os clubes brasileiros, aos poucos estão aprendendo os conceitos de planejar uma equipe desde a pré-temporada. É uma constatação ainda genérica, mas que se pode perceber pela forma como as equipes buscaram seus reforços no mercado de verão.

Primeiro, é preciso deixar claro que qualquer comparação com o nível de organização e sistematização do futebol europeu é inútil. Não é esse o objetivo deste texto, até porque, se for usado um parâmetro tão fora da realidade, pode-se perder a oportunidade de identificar e aproveitar qualquer melhoria.

Outra consideração importante é entender o que é montar adequadamente uma equipe no atual cenário do futebol brasileiro. Por exemplo, ainda é inviável imaginar que os clubes não percam alguns de seus melhores jogadores durante o ano para o exterior. Assim, um bom planejamento faz que o êxodo seja menor ou, ao menos, o clube esteja preparado para repor tais perdas.

Além disso, não pode ser considerado correto o investimento em bons jogadores, mas fora da realidade financeira do futebol brasileiro ou do clube. Como também é errado adotar o “estilo Real Madrid”, investindo em posições que já estão bem-atendidas e correndo o risco de deixar buracos em outros setores do campo. Por fim, outro erro crônico dos clubes brasileiros é apostar em jogadores sabidamente decadentes, que construíram seu nome há anos, mas que não justificam em campo tanta consideração.

E, como um todo, percebe-se que os clubes não caíram ou procuraram não cair nas armadilhas e tentações do mercado de verão. Alguns gastaram mais que outros e houve contratações que em princípio parecem equivocadas, mas, como um todo, as equipes mostram a intenção (e que fique claro que o Balípodo se refere a intenção, não à consecução) de realizar planos de longo prazo. Claro, em um calendário mais organizado, tendo como base um torneio longo que valoriza a regularidade e o planejamento, seria inevitável que, aos poucos, os clubes fossem aprendendo.

Veja abaixo o que o Balípodo achou das ações dos principais clubes do país (até a data de publicação do texto).

Atlético-MG – O Galo parece ter aprendido algo depois de 2005. Ano passado, a diretoria apostou em veteranos e jogadores decadentes e acabou rebaixado no Campeonato Brasileiro. Para um time que terá de conviver com o orçamento reduzido de quem disputa a Série B e precisa de jogadores motivados e dispostos a se sacrificarem, o investimento nos jovens que quase salvaram o time no final do Brasileirão é acertado. Foi assim que Palmeiras e Grêmio voltaram à elite após passarem pelo andar de baixo do futebol brasileiro.

Atlético-PR – A possível vinda de Lothar Matthäus é uma incógnita e tem motivações de marketing se misturando com considerações técnicas. No entanto, esse tipo de atitude é normal no rubro-negro paranaense, que demonstra pouco pudor em arriscar-se com nomes incomuns para o banco ou para o elenco. Em relação aos jogadores, o Furacão parece estar montando um time forte para 2006. Manteve peças-chave no grupo, como Dagoberto (por onde passa boa parte das hipóteses de sucesso do time), Jancarlos, Paulo André e Alan Bahia, além de trazer Michel Bastos, revelação do Figueirense em 2005. Resta saber se a vocação de montar bons times é maior que o pouco pudor em desfazê-los rapidamente.

Botafogo – Mesma estratégia que deu certo em 2005: um técnico desconhecido e com algo a provar, alguns jogadores já veteranos e de eficiência duvidosa e vários jovens. Não é uma estratégia de todo mal, mas o Botafogo poderia aproveitar melhor seu dinheiro se parasse de contratar jogadores veteranos e assumisse a necessidade de montar equipes jovens e com possibilidade de fazer parte de um projeto de time de longo prazo. Até porque essa é a política da diretoria para a parte institucional do clube. Poderia refleti-la no departamento de futebol.

Corinthians – O time titular é bom, mas o Alvinegro se perdeu no meio de suas brigas políticas e acabou ignorando a necessidade de dar profundidade ao elenco em um ano de Libertadores. A equipe continua precisando de um zagueiro confiável, que lidere o setor, de um goleiro experiente para o lugar de Fábio Costa (por mais que parte da imprensa o elogie, Marcelo ainda demonstra falhas típicas de goleiro iniciante) e de um meia de armação para substituir ou ficar ao lado de Roger. O único acerto parece ser Rafael Moura, um centroavante típico e que não perde gols com a facilidade de Bobô e Jô, algo que anda em falta no Parque São Jorge.

Coritiba – Por enquanto, o time do Coxa é muito semelhante ao que foi rebaixado. Em teoria, não é ruim, pois a equipe é sustentável financeiramente e tem uma capacidade técnica razoável. O Alviverde paranaense não caiu para a Série B por falta de jogadores, mas por problemas internos no elenco e no clube. Assim, mais importante do que remontar a equipe é identificar os erros e agir pontualmente em cima deles. A briga que seguiu a eleição presidencial do Coritiba não é um bom sinal.

Cruzeiro – O clube mineiro investiu bastante e, em princípio, bem. Soube encontrar jogadores de qualidade técnica e com futebol para mostrar, alguns para compor a base do time titular (Araújo, Gil e André Leone) e outros para dar opções a Paulo César Gusmão (Lauro e Jonílson). Além disso, conta com um técnico promissor e que tem condições de transformar o grupo em uma equipe. Se a diretoria souber conter o desejo incontrolável de vender seus jogadores no meio do campeonato, o time pode até brigar pelo título brasileiro. A maior incógnita é Élber, desambientado ao futebol brasileiro e sem atuar com constância há mais de um ano.

Flamengo – O clube não fez nada digno de nota. Talvez o fato de ter reconhecido sua situação financeira e, ao contrário do que costuma fazer, não ter contratado nenhum jogador caro e de pouco futebol. Manteve César “El Tigre” Ramírez, o que já é algo positivo, mas o Rubro-negro preocupa por um aspecto: está estagnado há anos, sem evolução alguma em longo prazo. Nem que fosse para mostrar uma geração de jovens que pudesse manter o otimismo da torcida (se bem que o título da Copa Cultura/Rio-São Paulo de juniores em 2005 é algo a se considerar). O objetivo continua sendo, no final do ano, permanecer na Primeira Divisão nacional.

Fluminense – Em teoria, fez tudo direitinho. Trouxe um técnico razoável (Ivo Wortmann) para substituir Abel, um bom goleiro (Diego), um volante/lateral experiente para o lugar de Gabriel (Rogério) e manteve a estrutura do meio-campo (Marcão, Arouca, Radamés e Petkovic). Se tudo der certo, o Tricolor carioca terá a mesma força que em 2005. Mas fica a pergunta: não seria mais prático ter mantido o elenco do ano passado? Por mais que o Fluminense tenha atuado bem no mercado, poderia dispensar tanto esforço se tivesse conseguido segurar mais jogadores do grupo quadrifinalista da Copa Sul-Americana e quinto colocado no Brasileiro. Por exemplo, Tuta nunca foi o centroavante preferido do Balípodo, mas sua saída ainda não foi bem reposta nas Laranjeiras.

Goiás – Perdeu Paulo Baier, pode negociar Rodrigo Tabata e não parece fazer muita força para reforçar substancialmente o time. A base é praticamente a mesma do Brasileirão e os objetivos não podem ser muito extravagantes, sobretudo na Libertadores. Em um campeonato de longo prazo, como o Brasileiro, talvez o clube tenha mais sucesso. A sensação que passa é que a diretoria tem consciência de que não pode forçar um crescimento não-sustentável e tem evitado medidas exageradas ou impensadas.

Grêmio – O Tricolor gaúcho voltou de maneira histórica à Série A, mas ficou evidente que o clube tem um elenco de Segunda Divisão ainda. Tcheco, Reinaldo e o argentino Maidana são apostas, mas dificilmente mudarão significativamente o estágio técnico do time. Com o que tem hoje, o Grêmio só realizará uma boa campanha entre os grandes se estiver em campo sempre com um espírito aguerrido além da própria capacidade. Atenção para o bom lateral-direito Patrício.

Internacional – Pode-se dizer que o torcedor colorado não tem motivos para ficar feliz com seu time. A base vice-campeã brasileira foi mantida, inclusive os principais jogadores (Fernandão, Rafael Sóbis e Tinga). Porém, o clube não resolveu o problema de insegurança no gol (Clemer ainda é o titular) e os poucos jogadores que saíram (caso, talvez, de Élder Granja) não foram substituídos à altura. Abel Braga tem o mérito de, mesmo com décadas de carreira, ainda estar em evolução, mas o trabalho de Muricy já estava consolidado no Beira-Rio.

Palmeiras – Sem muito dinheiro, nem vontade de arriscar demais, a diretoria palmeirense buscou tornar o elenco mais profundo e com possibilidade de variação. As características de jogo dos reforços, sobretudo Paulo Baier, Edmundo, Amaral e Enílton, foram muito bem avaliadas e o time titular pode se tornar forte pela capacidade de se homogeneizar. Porém, os jogadores de talento destacado são Marcos, Gamarra, Paulo Baier, Juninho Paulista, Marcinho e Edmundo. À exceção de Marcinho, é uma base envelhecida e com menos capacidade de explosão do que o recomendável para quem disputara a Libertadores.

Santos – No papel, montou um dos times mais fortes do Brasil. Tem grandes jogadores em várias posições e um técnico capaz de planejar e montar um time. Se tudo der certo, usarão o Paulistão como base de ensaios com boa chance de sucesso (Corinthians, São Paulo e Palmeiras estarão se dedicando à Libertadores) e entrarão com muita força no Brasileirão. Porém, o Peixe deve vencer três dúvidas: a) o clube trouxe 14 jogadores: será que a diretoria não exagerou e contratou jogador demais?; b) o time é completamente novo: será que haverá “encaixe” entre as peças?; c) em longo prazo, não seria mais recomendável e prudente gastar menos?

São Paulo – Uma situação semelhante à do Internacional. Como o São Paulo manteve a base de sucesso de 2005, entra forte na atual temporada. É candidato ao título da Libertadores e, caso se dedique, ao Brasileiro. Porém, o clube perdeu a oportunidade de reforçar algumas posições (como o setor de armação) e não conseguiu repor a saída de Cicinho. A situação pode ficar pior caso se confirme a saída de Amoroso. Grafite e Aloísio podem formar uma boa dupla de ataque, mas o time não tem reservas convincentes. Até porque Rodrigo Fabri é uma contratação que não parece das melhores.

Vasco – Com Eurico Miranda no comando, não se vê qualquer sinal de mudança na política de contratações do Vasco. É o clube que menos mostra evolução na mentalidade, tanto que segue apostando em jogadores em fase mais que descendentes, como Ramón e Fábio Baiano. No geral, o clube de São Januário está tão estagnado quanto o Flamengo, mas o Rubro-negro tem o mérito de reconhecer seus problemas e, ao menos, tentar mudar. Os cruzmaltinos, nem isso. Sorte do clube que Alex Dias e Morais permaneceram, além do goleiro Roberto (que não é espetacular, mas dá alguma segurança no gol).

Ubiratan Leal

Imagens: Real-Page (Beckham), Cruzeiro (reforços do Cruzeiro) e Santos (Fabinho)

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Trombetas de 9 de janeiro

O Apocalipse se aproxima. Não adianta fazer nada, pois o processo é irreversível. Para alertar seus leitores, o Balípodo mostra as evidências de que as trombetas já anunciam o fim do mundo.

* Primeira rodada do Campeonato Baiano e nem Bahia, nem Vitória, venceram.

* Sem contar que ambos estão na Série C.

* O São Paulo não passou de fase na Copa São Paulo de Juniores.

* Bóvio encontrou lugar na Primeira Divisão da Espanha...

* Christian perdeu espaço no São Paulo por não ter atendido às expectativas. Mas... quem criou alguma expectativa em cima dele?

* O Celtic foi desclassificado da Copa da Escócia pelo Clyde, da Segunda Divisão.

* Houve quem realmente acreditasse que Romário poderia ir para o Corinthians.

* Lothar Matthäus pode vir para treinar o Atlético-PR. E a notícia não é falsa!

...o pior é que há os que já acham isso tudo normal.

Ubiratan Leal

No Uruguai, quem manda é ele

Assim que caíram diante da Austrália na repescagem, os uruguaios logo começaram a buscar culpados. O curioso é que o principal responsável para boa parte da opinião pública charrua não foi o técnico Jorge Fossati, os jogadores ou os dirigentes, mas um empresário: Francisco “Paco” Casal. A acusação é que ele, para defender seus interesses financeiros, levou o futebol celeste a uma de suas piores crises. E ele teria poder para isso.

Curiosamente, Paco Casal tem uma relativa relação com o Brasil. Peñarolista declarado, foi criado no bairro de Bella Vista, em Montevidéu, mas nasceu em São Paulo. Começou sua carreira como lateral do Defensor. Fez apenas 14 partidas profissionais pelo clube violeta. Depois, quase acertou com o Vasco, mas acabou no Nacional. Encerrou sua carreira melancólica de jogador profissional no início da década de 1980, no Fénix, na época um time de Segunda Divisão.

Até aquele momento, Casal não havia deixado motivos para ficar na história do futebol uruguaio. Até que, em 1988, ele ajudou um amigo jogador, Juan Ramón Carrasco, a negociar sua transferência do Nacional de Montevidéu para o Tecos UAG, do México. Imediatamente, o empresário iniciante montou uma grande rede de influência no futebol uruguaio, assinando com alguns dos principais jogadores celestes da época.

Em 1990, às vésperas da Copa do Mundo, Paco Casal já tinha sob contrato Francescoli, Rubén Sosa, Aguilera, Fonseca, Gutiérrez, Perdomo, Rubén Pereira e Bengoechea. Todos jogadores que defenderam a Celeste Olímpica no Mundial italiano. Sua influência era tão grande que o presidente do Uruguai na época, Julio Sanguinetti, chegou a pedir para Casal intermediar o contato com Gianni Agnelli, dono da Juventus... e da Fiat.

Porém, o poder do empresário era mais forte ainda dentro do Uruguai, onde ele já era dono do passe de vários jogadores. Há suspeitas que a designação de Luís Cubilla para técnico da seleção charrua em 1991 foi indicação de Casal. Amigo do empresário, o treinador teve como primeira decisão não convocar mais jogadores que atuassem no futebol europeu.

Chamando apenas atletas “nacionais”, Cubilla acabou valorizando muitos dos pupilos de Casal. A indicação de Daniel Passarella como comandante celeste, anos depois, também seria obra do empresário. Outro fato “estranho” é que Diego Forlán, provavelmente o melhor jogador uruguaio da atualidade, só foi convocado para a seleção após ser contratado pelo Manchester United. Enquanto atuava pelo Independiente, da Argentina, era esquecido.

Em pouco tempo, os clubes uruguaios já eram dependentes do ex-lateral do Defensor para comprar jogadores ou vender à Europa por um bom valor. Ciente dessa simbiose que se criava, Casal não hesitava em emprestar dinheiro a clubes endividados, apenas para aumentar sua rede de amizade no comando do futebol cisplatino. A ponto de Ramón Barreto, presidente do Rampla Juniors, declarar que faria qualquer coisa por Paco.

A cartada final para fechar o círculo foi comprar os direitos de transmissão do Campeonato Uruguaio. Casal aproveitou sua força como sócio (ainda que minoritário) para convencer a Torneos y Competencias a investir no futebol da outra margem do rio da Prata.

Isso desagradou aos empresários de televisão do país, já que a TyC trabalha com emissoras por assinatura. Ainda assim, Paco ganhou a briga. Em 1998, criou em sociedade com Francescoli, Nélson Gutiérrez (ex-zagueiro da seleção uruguaia) e a brasileira Traffic, a Tenfield Digital, empresa que comprou por 10 anos os direitos de transmissão do campeonato cisplatino.

Como era de se esperar, o contrato não era nada favorável aos clubes. Em todo o período de vigência do compromisso, a AUF (federação uruguaia) receberá US$ 50 milhões, um valor extremamente baixo, até porque o contrato dá à Tenfield o direito de exploração de diversas outras mídias. Alguns dirigentes reclamaram, denunciando inclusive favorecimento a Casal na concorrência, já que outra empresa havia oferecido US$ 32 milhões a mais e um acerto que daria uma participação maior aos clubes.

Depois, descobriu-se que Casal emprestara US$ 1,9 milhões à AUF para poder dar início ao Torneo Apertura daquele ano. A crise só não ficou mais grave porque a TyC, que tinha preferência na renovação do contrato, interveio e igualou a proposta da Tenfield e renegociou os direitos de transmissão com as duas concorrentes.

Esperto, Casal tratou de usar seus contatos para estender seu grupo além das fronteiras uruguaias. O empresário criou a Gol TV, canal de TV por assinatura especializado em futebol que atende o mercado dos Estados Unidos e Canadá.

Com isso, os torcedores uruguaios e a parte independente da imprensa (porque, claro, Casal tratou de “domesticar” muitos jornalistas no processo) passaram a ver as atitudes do empresário como responsáveis pela decadência do futebol charrua desde o início da década passada. Afinal, ele teria sucateado os clubes financeiramente e desvirtuado a seleção nacional.

Assim, foi inevitável que seu nome aparecesse após a eliminação da Copa de 2006. O técnico Hugo de Leon disse que a seleção celeste “está privatizada, não é o Uruguai que esta representado, mas os interesses de um empresário de jogadores e de direitos de transmissão de jogos”. No entanto, é difícil imaginar como, em curto prazo, o paulistano de nascimento, ex-lateral do Defensor e poderoso empresário do futebol perca sua capacidade de articulação.

*

Jogadores empresariados por Casal hoje: Álvaro Recoba (Internazionale), Pablo García (Real Madrid), Diogo (Real Madrid), Fabián Carini (Cagliari), Darío Silva (Portsmouth), Javier Chevantón (Monaco), Regueiro (Valencia), Richard Morales (Málaga), Marcelo Zalayeta (Juventus), Richard Núñez (Cruz Azul) e Rubén Olivera (Juventus)

Ubiratan Leal

Imagem: Espectador.com (Casal) e Tenfield (logo Tenfield)

sábado, janeiro 07, 2006

Chutômetro 20

1) Que fato histórico ocorreu no mesmo dia (dia, mês e ano, bem entendido) em que o Santos foi fundado?

O naufrágio do Titanic.

2) Qual o time alemão conhecido como “O Clube”?

Nürnberg.

3) Quais os quatro clubes mais tradicionais de Córdoba, Argentina?

Talleres, Instituto, Belgrano e Racing.

4) Quem fez o gol do título do Corinthians na Copa Bandeirante de 1994?

O zagueiro Gralak.

5) Contando Copas do Mundo e Eurocopa, a Alemanha (ou Alemanha Ocidental) não passou pelas Eliminatórias apenas uma vez. E isso aconteceu porque, no jogo decisivo, não conseguiu vencer uma seleção do Leste Europeu. Qual?

Albânia.

6) De que clube é esse distintivo?



Dica: time do interior que foi campeão estadual e já disputou o Brasileirão.

Corumbaense-MS.

7) Que estádio é esse?



Dica: um dos estádios mais modernos do mundo.

Amsterdam ArenA.

8) Quem é o sujeito da foto?



Dica: volante conhecido pela rispidez.

Nobby Stiles, campeao mundial pela Inglaterra em 1966.

9) Que time é esse? Não precisa indicar o nome dos jogadores, apenas apontar a equipe e sua importância.



Dica: foi campeão de maneira surpreendente, vencendo o favorito na final por 4 x 1.

Chacarita Juniors, campeão do Metropolitano de 1968 após golear o River Plate na final.

10) Que jogo foi esse?



Dica: final de competição continental

Talleres x CSA, final da Copa Conmebol de 1999.

Parabéns para Diogo Terra, que acertou nove (deixou passar a pergunta 5 por bobagem).

Ubiratan Leal

quinta-feira, janeiro 05, 2006

Juventus e América-RJ podem mostrar o caminho

A lenga-lenga pré-estaduais é maçante. Empresários jurando que seus jogadores foram sondados por vários clubes. Dirigentes jurando que qualquer especulação sobre reforços não passa de boato. E, no final, parece que todas as contratações acabam decididas pela Justiça Trabalhista. Nesse cenário que se torna tedioso ano após ano, a principal novidade é a perspectiva de renascimento de Juventus e América-RJ.

Há dois aspectos envolvendo esse processo. O primeiro, puramente lúdico, é ver dois dos clubes mais simpáticos do país reagirem contra suas próprias decadências. O segundo, mais analítico, é ver como há esperança para clubes de tradição que acabam padecendo pela dificuldade em encontrar espaço no novo cenário futebolístico do Brasil.

A atual estrutura é cruel com os clubes pequenos. A falta de torneios decentemente organizados que os mantenham em atividade o ano todo (Série C e uma eventual Série D) torna inevitável a existência de vários times sazonais pelo país. Isso é pior para equipes tradicionais, que têm de dar satisfação para torcedores e conselheiros e acabam se enroscando entre a tentativa inglória de investir ou na perda de identidade. Enquanto isso, clubes novos, sem nenhuma ligação com comunidade alguma, crescem por estarem ligados a empresários ou a prefeituras que bancam a montagem e desmontagem de elencos a cada ano. E é esse processo que Juventus e América-RJ podem quebrar.

Os modelos são bastante diferentes. O juventino tem tom mais profissional. O clube da Mooca fez um acordo com o Pão de Açúcar Esporte Clube, ligado a uma rede de supermercados (adivinhe qual!) e dirigido por José Carlos Brunoro. Em princípio, o clube da família Diniz cuidaria das categorias de base do Juventus, mas, em 2006, já há um acordo semelhante a uma co-gestão para o futebol profissional.

A intenção não é seguir os passos de Parmalat e Excel Econômico, que compraram jogadores caros para aumentarem a exposição de suas marcas. Até porque o retorno que o Juventus proporcionaria nesse modelo seria pequeno e demorado. Por isso, o objetivo é dar mais estrutura e ajudar na contratação de jogadores bons o suficiente para manter um desempenho satisfatório em campo, além de unir projeto social e investimento em categorias de base. Em médio e longo prazo, a empresa afirma que reformará a Rua Javari e trabalhará a marca “Juventus”.

O América carioca, ex-jogadores liderados por Jorginho (que começou nos juniores do Diabo Rubro) apresentaram um projeto de gestão e recuperação do time. O grupo dará apoio técnico e financeiro para reestruturar o clube da rua Campos Salles. A idéia e elaborar um projeto de médio prazo, o que permite a busca de parceiros e o reforço do nome do clube diante dos torcedores, além de realizar trabalhos sociais ligados ao América na região de Édson Passos.

O ex-lateral-direito será o técnico, auxiliado Zé Carlos (ex-goleiro do Flamengo) na área administrativa e Aílton (ex-meia de Flamengo, Grêmio e Botafogo) no treinamento da equipe. Já foram contratados jogadores de destaque mediano e alguns ultrapassados, como os goleiros Fábio Noronha (ex-Flamengo) e Everton (ex-Vasco), o lateral uruguaio Del Campo (ex-River Plate), os zagueiros Válber (ex-São Paulo) e Nunes (ex-Peñarol), os meias Gaúcho (ex-Botafogo), Robert (ex-Santos) e o atacante argentino Carlos González (ex-Zaragoza). Bem... o time está longe de ser uma potência. Mas é melhor do que nos anos anteriores, quando os diabos se arrastavam pelo Estadual do Rio.

Nos dois casos, é possível que nada dê certo e os projetos acabem em pouco tempo. Não seria a primeira vez no futebol brasileiro, até porque, sobretudo no América, incomoda a ligação entre os investidores e uma empresa de agenciamento de jogadores (a Intersports). No entanto, o fato de os parceiros de grenás e rubros falarem em “trabalhar a marca do clube” e “projetos sociais” representa uma grande mudança. Em geral, quando se fala em parcerias no Brasil, o discurso é de “revelar jogadores e encaminhá-los para o exterior”, forma eufemística de dizer que o clube se transformou em entreposto comercial de empresário.

O mais importante, no caso, não é que jogadores virão ou não e se os times em questão crescerão efetivamente, mas sim, a percepção que um clube sem torcida também pode gerar mercado para o investidor. Não pela paixão direta de um seguidor fanático, mas por ajudar a estabelecer uma “marca” ou por servir de referência para projetos de diversas naturezas. Um modelo de profissionalização pouco comum no Brasil (até porque o modelo tradicional, de fazer que torcedores consumam produtos do clube, está incipiente também), mas bastante interessante. E pode ser aplicado tanto para clubes pequenos de grandes centros como para clubes grandes de pequenos centros. Nos dois casos, o time é uma referência local forte, por mais que os eventuais consumidores sejam corintianos, flamenguistas, vascaínos ou são-paulinos.

O Balípodo pode até estar enganado. Porém, a sensação é que Juventus e América estão mostrando como, mesmo em clubes pequenos e de poucos seguidores, a tradição é importante. E é melhor que isso aconteça do que manter o cenário atual, com genocídio de clubes tradicionais e alta taxa de natalidade de instituições criadas por fins político-econômicos, que morrem em pouco tempo.

*

Na realidade, o projeto do Pão de Açúcar com o futebol vai muito além da parceria com o Juventus. O clube tem uma sede no Rio e chegou a pensar em fazer parceria justamente com o América. Também está nos planos fazer alguma ação no Nordeste.

Ubiratan Leal

Imagens: Juventus, Ronaldo Barbosa/Pão de Açúcar e América