terça-feira, junho 05, 2007

Acaba o conto de fadas na pequena Vecindário

A Segunda División espanhola não tem a organização e tradição da Championship League inglesa ou o calor de grandes torcidas como a Serie B italiana. Ainda assim, é um torneio profissional de nível técnico aceitável para uma Segundona. Por isso, muitos espanhóis acompanhavam com carinho a inusitada participação do Vecindario, clube de uma pequena cidade de cerca de 10 mil habitantes nas ilhas Canárias que jamais imaginaram ver seu time em nível tão alto.

A Unión Deportiva Vecindario foi fundada em 1961, com a fusão do San Rafael com o El Canário. Durante duas décadas, o clube blanquinegro vagou por divisões regionais amadoras das Ilhas Canárias. Nada anormal para um time despretensioso como tantos outros na região, ainda que o crescimento, divisão a divisão, fosse notável.

Isso ficou mais forte em 1988, quando o Vecindario venceu a Preferente e conquistou um lugar na Tercera División, que, na prática, é a quarta. Foram 12 temporadas neste nível, o que já colocaria os blanquinegros como um dos poucos clubes canários consolidados no cenário nacional. Até que, em 1999, o time subiu mais um nível e chegou à Segunda B, equivalente à Terceirona.

Depois de uma rápida queda para a quarta divisão, o Vecindario voltou à terceira sem perspectivas de ir além disso. Parecia ser o máximo que um clube com estádio para apenas 4,5 mil torcedores – cerca de 45% da população de sua cidade – conseguiria. O início da campanha na temporada 2005-06 confirmava isso, com o time fugindo das últimas posições.

A sorte mudou com a chegada do técnico Pacuco Rosales, que nasceu em Gran Canária (ilha onde está Vecindário) e já havia trabalhado no clube. A equipe ganhou novo ânimo e foi escalando aos poucos a classificação. Os blanquinegros começaram a surpreender e conquistaram uma vaga na repescagem para a promoção, superando clubes muito mais ricos, tradicionais e com mais torcedores como Rayo Vallecano, Leganés e Melilla.

O sorteio colocou o time canário diante do Cartagena. Os blanquinegros abriram 2 x 0 no jogo de ida, em Vecindario, mas sofreram o empate. Mesmo assim, reuniram forças para vencer no jogo de volta, fora de casa, por 1 x 0. Na decisão da vaga, venceram por 2 x 0 e perderam por 2 x 1 contra o Levante B, assegurando a inédita e surpreendente classificação para a Segundona espanhola. Curiosamente, na segunda divisão, o Vecindario encontrou Las Palmas e Tenerife, em uma participação significativa do futebol das Ilhas Canárias na competição.

O clube teve de se redimensionar. A diretoria não tinha muitos recursos para investir, mas teve de contratar reforços estrangeiros para evitar o vexame. Até então, a base invariavelmente era composta por jogadores locais. O estádio Municipal de Vecindario quase foi reformado, pois tem gramado sintético e precisava de aprovação dos outros clubes para ser homologado. Foi o primeiro estádio com esse tipo de piso na história da LFP (Liga de Fútbol Profesional, que organiza as duas primeiras divisões do futebol espanhol).

Mesmo assim, era difícil se manter, ainda mais com adversários como Murcia, Sporting Gijón, Cádiz, Las Palmas, Valladolid, Málaga e Salamanca. Os números mostram como a realidade do Vecindario era completamente diferente da dos concorrentes. A torcida apoiou bastante os blanquinegros e ganhou a fama de ser fiel. A média de público foi de 2.219 pagantes, ou seja, 50% de ocupação do estádio e 22% da população da cidade. Ainda assim, foi a pior média de toda a Segundona espanhola. Para se ter uma idéia, o vizinho Las Palmas, clube “grande” de Gran Canária, teve 12.401.

Em universos diferentes, era difícil imaginar que o Vecindario sobrevivesse. A equipe blanquinegra teve poucas alegrias, como as duas vitórias sobre o Tenerife em dérbis canários, e ficou quase sempre na última posição. Acabou rebaixada com quase um mês de antecedência. Sinal de como o Vecindario era um estranho na competição. Um clube quase amador que sentiu rapidamente o gostinho da glória profissional. E que, para a infelicidade de quem gosta de histórias alternativas e inusitadas, já voltou ao seu lugar.

Ubiratan Leal

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