
No início, Turati tinha ligações com a esgrima – modalidade na qual chegou a competir –, tênis e atletismo. Foi, inclusive, dirigente das federações italianas desses três esportes. Em 1928, assumiu a presidência do Coni (Comitê Olímpico Italiano, entidade que praticamente rege o esporte na Bota) e, dois anos depois, foi membro do COI.
Uma biografia como essa era perfeita para um projeto inusitado do governo fascista. Mussolini via com contrariedade a rapidez com que o futebol crescia na Itália. Como em boa parte do mundo, a Bota foi apresentada ao esporte pelos ingleses que viviam ou passavam pelo país. Tanto que os primeiros clubes tinham nomes ingleses e eram ligados a comunidade britânica, casos de Genoa e Milan.
Esse fenômeno não ajudava a espalhar a ideologia nacionalista radical de nazistas e fascistas, apesar de ter sido usado. O líder alemão Adolf Hitler não gostava de futebol, mas reconheceu a capacidade de angariar politicamente com o jogo inglês. O espanhol Francisco Franco era adepto do esporte e se aproximou bastante da federação espanhola e do Real Madrid.
Isso não ocorria com Mussolini. O regime fascista usava o passado do Império Romano e o poderio das cidades italianas na Idade Média como se fosse mostras da poderosa história da Itália-nação. Seria inadmissível para Il Duce ver um esporte inglês crescendo no local em que foram criadas modalidades parecidas, como o harpastum (romanos) e calcio fiorentino (Florença medieval).
O governo italiano estava decidido a mudar esse cenário e, no final da década de 1920, chamou Turati. Sua tarefa: criar um tipo de futebol com características mais puras da história italiana, usando características do harpastum e do calcio fiorentino. Assim, o jornalista veterano de guerra criou a volata (“vôo” em português).
O esporte parecia uma mistura de futebol com handebol europeu (jogado em gramado, diferente do handebol de quadra). Cada time tinha oito jogadores, sendo um goleiro. Como no futebol, o objetivo era marcar gols, mas os jogadores de linha podiam pegar a bola com as mãos, desde que não a segurassem por mais de três segundos.
Com a propaganda intensiva do governo, a modalidade teve um rápido crescimento. Em poucos anos, já tinha 100 clubes filiados à liga nacional. No entanto, foi apenas uma moda passageira que jamais conseguiu se tornar uma alternativa viável ao futebol. Na verdade, a volata acabou prejudicando mais o rúgbi (que já era um esporte secundário) do que o futebol.
Sem consolidar sua modalidade diante do público, os fascistas abandonaram o apoio oficial à volata em 1933. O novo projeto era explorar politicamente o futebol “normal”, ainda mais porque a Copa do Mundo do ano seguinte seria na Itália e um título ajudaria muito a validar o regime diante da população. Em 1939, o campeonato de volata deixou de ser disputado e o esporte caiu no ostracismo. Como o governo fascista.
*
Depois da passagem por Coni e PNF, Turati gradualmente se afastou do fascismo. Em 1931, ele deixou o partido para assumir a editoria do La Stampa, principal jornal de Turim. Contrário a algumas medidas do governo, o jornalista acabou preso na ilha de Rodes (atual Grécia, mas possessão italiana na época). Voltou a seu país em 1938, abandonando a carreira política para advogar. Mesmo se manifestando contrário à entrada da Itália na Segunda Guerra Mundial, Turati foi julgado depois da guerra. Foi condenado em um primeiro momento, mas recebeu anistia. O criado da volata morreu em 1955, em Roma.
Ubiratan Leal
Texto relacionado
O futebol segundo os australianos
3 comentários:
Se a Itália não ganhasse em 1934, a volata teria um futuro mais promissor?
Bem, mas isso pra o "E se"
Postar um comentário