sexta-feira, junho 01, 2007

O Cruzeiro que diz “tchê”

Poucas cidades brasileiras são tão bipolarizadas futebolisticamente quanto Porto Alegre. A força de Grêmio e Internacional e o poder dessa rivalidade são tão fortes que há quase que um dever moral do torcedor portoalegrense ser tricolor ou colorado. No entanto, a capital gaúcha tem, sim, espaço para clubes pequenos. O mais tradicional deles, inclusive, renasce aos poucos motivado pela esperança de voltar a ser um fantasma para as potências locais. É o Cruzeiro.

Apesar do nome e das cores (azul e branco), o Cruzeiro gaúcho não é uma cópia do homônimo mineiro. Pelo contrário, pois a versão portoalegrense é mais antiga – pelo menos no uso do nome e cores – que a belohorizontina. Pena que tenha ficado esquecida por décadas e, hoje, esteja penando na Chave 5 da segunda fase da Segunda Divisão do Campeonato Gaúcho.

Dizer que o Cruzeiro-RS já foi grande pode ser um certo exagero. Mas era um time extremamente respeitado em todo o Estado e não podia ser excluído da relação de candidatos a qualquer título municipal na primeira metade do século passado. Além disso, chegou a conquistar grandes resultados fora do Rio Grande, mostrando que era mais do que uma equipe de alcance regional.

O Estrelado foi fundado em 1913. Na época, não existia propriamente o Campeonato Gaúcho, apenas torneios regionais. Assim, a melhor referência era o desempenho no Campeonato de Porto Alegre. Nos primeiros anos, os cruzeiristas não conseguiam acompanhar Grêmio e Internacional, mas, aos poucos, cresciam.

O primeiro título citadino veio em 1918. O Cruzeiro fez 14 pontos, dois a mai que o Grêmio e quatro à frente do Internacional. Aquele foi o último ano sem que os campeões regionais do Rio Grande do Sul se unissem para decidir o melhor do Estado. Assim, o Estrelado não pôde disputar o posto de campeão gaúcho.

Isso só seria possível 11 anos depois. Em 1929, o Cruzeiro voltou a conquistar o título portoalegrense e foi para o Gauchão. Os adversários foram Riograndense de Santa Maria (campeão da serra), Ferro Carril Oeste de Uruguaiana (campeão da fronteira) e Guarany de Bagé (campeão do sul do Estado). Nas semifinais, os cruzeiristas venceram o Riograndense por 2 a 0 e foram para a final, onde superaram o Guarany por 1 a 0.
O time-base daquele Cruzeiro era Chico, Espir e Hugo; Totte, Emílio e Salatino; Ferreira, Torres, Nestor, Germano e Campão. Essa equipe colocou os cruzeiristas em igualdade com a Internacional, Americano (Porto Alegre), Brasil (Pelotas), Bagé e Guarany (Bagé), todos com um título gaúcho. Apenas o Grêmio estava à frente no ranking, com três conquistas.

É verdade que os títulos eram esporádicos. Nos demais anos, o Cruzeiro aparecia como um fantasma, um time que corria por fora na luta pelo vice-campeonato ou terceiro lugar. O cenário mudou um pouco em 1937. Flamengo e Fluminense convidaram Grêmio e Internacional a aderirem ao profissionalismo.

De fato, isso ocorreu, com Cruzeiro, São José e Força e Luz acompanhando os grandes. O problema é que a Amgea (Associação Metropolitana Gaúcha de Esportes Atléticos) estava ligada ao amadorismo, o que provocou uma cisão no futebol gaúcho e tirou os grandes temporariamente da disputa do campeonato estadual.

A paz voltou três anos depois, quando o Internacional montou uma grande equipe e ofuscou os esforços dos adversários locais. Foram 13 títulos portoalegrenses em 15 anos. É evidente que essa hegemonia teve efeitos mais devastadores nas equipes médias e pequenas. Ainda mais porque o campeonato se tornara metropolitano, recebendo equipes de cidades da Grande Porto Alegre. Naquele período, o Cruzeiro concentrou seus esforços na construção do estádio da Montanha.

Ainda assim, o Estrelado ainda pôde realizar a que muitos consideram sua maior façanha. Em 1953, os cruzeiristas se tornaram uma das primeiras equipes não-paulista ou carioca a excursionar pelo exterior. E com desempenho largamente satisfatório. Logo na primeira partida, um empate em 0 x 0 com o Real Madrid. No total, foram sete vitórias, cinco empates e três derrotas em 15 jogos.

A base daquele Cruzeiro era Deoli; Ruy e Valtão; Laerte, Léo e Xisto; Ferraz, Casquinha, Nardo, Huguinho e Tesourinha. Entre os reservas estava o atacante Hoffmeister, que depois se tornaria dirigente e, conhecido como Rubens Hoffmeister, presidiria a federação gaúcha.

O sucesso foi tão grande que o Cruzeiro foi convidado para nova excursão sete anos depois. O desempenho foi semelhante, com 11 vitórias, seis empates e sete derrotas, além do título do Torneio de Páscoa de Berlim.

No entanto, aqueles eram os últimos momentos de glória do Estrelado. Em 1965, o clube foi último colocado no Campeonato Gaúcho (já unificado) e caiu para a segunda divisão. O retorno ocorreu em 1968 debaixo de polêmica, com a expansão do campeonato por parte da FGF. Menos mal que os cruzeristas terminaram na terceira posição e fizeram valer a promoção.

Apequenado, o Cruzeiro começou a enfrentar séria crise financeira. Em 1970, vendeu o estádio da Montanha, onde foi construído o cemitério João XXIII. Três anos depois, ainda fortemente endividado, o clube pediu licença à federação, fechando o time profissional.

Aproveitando os jovens vindos das categorias de base (cuja atividade se mantivera), o Cruzeiro aceitou o convite da FGF para voltar ao profissionalismo em 1976. No ano seguinte, inaugurou seu novo estádio, o Estrelão. O clube, porém, ainda não estava preparado para retornar e construir uma nova casa e acabou fechando as portas em 1979.

O clube retornou na década de 1990. Desde então, perambula pelas divisões inferiores do futebol do Rio Grande do Sul. Muitos torcedores se mantiveram fiéis mesmo com os anos de inatividade, mas o fato é que o time – hoje chamado de Cruzeirinho – tem poucos seguidores (o mais conhecido é o escritor Moacyr Scliar). É um simpático clube que tenta se reestruturar para voltar à elite de seu Estado.

Pelo visto os cruzeiristas terão de esperar mais um ano pelo menos. Depois de uma bela campanha na primeira fase da Segundona gaúcha de 2007, o time não consegue acompanhar a caminhada de equipes como Bagé, Rio Grande, Porto Alegre (time mantido pela família de Ronaldinho) e Pelotas. Um presente nada parecido com o xará mineiro, que surgiu como Palestra Itália e virou Cruzeiro bem depois do Estrelado, mas é o clube lembrado imediatamente quando se fala em Cruzeiro e futebol.

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Veja os resultados da primeira excursão do Cruzeiro-RS à Europa: 0 x 0 Real Madrid, 0 x 4 Toulouse, 6 x 2 Lausanne, 0 x 0 Torino, 0 x 0 Lazio, 2 x 1 Maccabi Tel-Aviv-ISR, 1 x 0 Maccabi Petach-Tikva-ISR, 5 x 0 Hapoel Haifa-ISR, 0 x 0 Israel, 0 x 2 Besiktas, 1 x 2 Turquia, 2 x 5 Fenerbahçe, 3 x 1 Galatasaray, 4 x 2 Español e 2 x 0 Español.

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Veja os resultados da segunda excursão do Cruzeiro-RS à Europa: 0 x 2 Bulgária, 1 x 1 Dunav-BUL, 3 x 0 Kärnten-AUT, 0 x 2 Dynamo de Zagreb-IUG, 3 x 2 Rijeka-IUG, 1 x 0 Bayern de Hoff-RDA, 1 x 0 Vorwärts-RDA, 1 x 1 Dynamo de Berlim-RDA, 1 x 1 Hansa Rostock-RDA, 1 x 1 Alemannia Aachen-RFA, 2 x 4 Standard Liège-BEL, 0 x 3 Sevilla, 4 x 3 Figueres-ESP, 2 x 4 Español, 6 x 2 Atlétic Balears-ESP, 2 x 1 Limoges-FRA, 0 x 0 Anderlecht, 0 x 0 Tchecoslováquia, 1 x 2 Nitra-TCH, 2 x 0 Combinado de Helsingborg, 3 x 2 Dinamarca Olímpica, 2 x 0 Randers-DIN, 3 x 2 Venlo-HOL e 0 x 2 Osnabrück-RFA.


Ubiratan Leal

Imagens: Cruzeiro-RS (por Gabriel de Mello no Cruzeiro x Sapucaiense)

3 comentários:

Daniel F. Silva disse...

Que o Cruzeiro gaúcho retome o caminho das vitórias, mais cedo ou mais tarde.

Anônimo disse...

Outro torcedor ilustre é o vocalista do Nenhum de Nós, Fred Corrêa

Anônimo disse...

Corrigindo o colega Paulo Vítor (será um leitor ilustre, o ex-goleiro de Flu e Remo ? Eh, eh, eh...): na verdade, o vocalista do NdN é Thedy Corrêa, não Fred. Mas foi bem lembrado o fato de que ele é cruzeirista. Eu tinha me lembrado disso ontem...