segunda-feira, dezembro 26, 2005

A dinastia dos Romanov

O início da edição 2005-06 do Campeonato Escocês teve um elemento mais do que inusitado: a liderança, com 100% de aproveitamento, do Heart of Midlothian. Agora, com mais da metade do campeonato já passada, a classificação já tem contornos mais convencionais, sendo encabeçada pelo Celtic. Mesmo assim, os grenás de Edimburgo mostram solidez, se consolidando na segunda posição, 13 pontos à frente do Rangers. Conseqüência imediata de uma complexa ligação entre Lituânia e Escócia que tem os Jambos como intermediários.

Em 2004, o Hearts estava em péssima situação financeira. O clube tinha dívidas de cerca de £ 22 milhões com o Bank of Scotland e não encontrava meios de zerar esse passivo. Tudo conseqüência de erros administrativos nos últimos 10 anos. Por exemplo, Chris Robinson, dono do Hearts, colocou ações do clube na Bolsa de Valores de Londres. Com a bolha de investimento em ações no futebol, os Jambos tiveram uma valorização de quase 700% em pouco tempo.

Robinson se empolgou e foi o único dirigente de equipe pequena a se juntar a Celtic e Rangers no rompimento com a Scottish Football League, entidade que englobava todos os times profissionais da Escócia. Com isso, os três clubes lideraram a formação da Scottish Premier League, composta apenas pelos integrantes da Primeira Divisão.

Porém, tudo começou a entrar em colapso. A diferença de tamanho e interesses entre Celtic e Rangers em relação aos demais clubes escoceses se mostrou insuperável. Com olhos nas competições européias, os grandes de Glasgow gastavam mais dinheiro do que podiam, mas, por meio de chantagem (ameaças de se integrar à liga inglesa), conseguiam aumentar suas participações no rateio dos recursos do futebol escocês. Com medo de perder a companhia de Rangers e Celtic, os clubes pequenos aceitavam as exigências e se afundavam ainda mais nos próprios problemas financeiros.

Para piorar, a BSkyB, rede de televisão que tem os direitos de transmissão do Campeonato Escocês, só renovou o contrato em 2002 após uma redução nos valores acertados. Como muitos clubes haviam contratado jogadores esperando um aumento – ou, pelo menos, uma manutenção – nos números, o futebol escocês entrou em uma grave crise financeira.

Diante desse cenário, o Parlamento da Escócia se viu obrigado a intervir. Os clubes tiveram de organizar suas finanças, que teriam supervisão direta da liga. Para o Hearts, a solução para contornar os débitos foi vender o histórico estádio de Tynecastle Park, construído em 1932, para Cala Holmes, empresário do setor imobiliário. Enquanto isso, os Jambos teriam de utilizar o Murrayfield, casa da seleção escocesa de rúgbi.

O problema é que o estádio, com seus 67 mil lugares (o maior da Escócia), é superdimensionado para as necessidades do Hearts – no Tynecastle (foto) cabem 18 mil torcedores –, provavelmente ficaria vazio e sua utilização seria outra despesa alta para o caixa do clube. Torcedores criaram o movimento Save Our Hearts para atrair investidores, mas apenas um apareceu com uma proposta alta o suficiente para contornar os problemas dos grenás foi o banqueiro e industrial lituano Vladimir Romanov.

O empresário segue o perfil do indivíduo que se tornou milionário rapidamente no rescaldo do fim do comunismo na União Soviética. O principal acionista do Ukio (um dos principais bancos da Lituânia) tem uma fortuna de quase £ 300 milhões e gastava parte disso em clubes de futebol. Ele é proprietário do Kaunas da Lituânia e do MTZ de Belarus. Além disso, suspeita-se que teria participação no Saturn Ramenskoye, da Rússia, e que estaria em contato para comprar o Torpedo Kutaisi, da Geórgia.

Porém, como já ocorrera com Roman Abramovich, o desejo do lituano era entrar no futebol britânico. Romanov flertou com o Dundee e o Dundee United, porém, soube reconhecer o potencial que representa o mercado de Edimburgo (um dos principais centros financeiros da Europa) e o Hearts (um dos maiores entre os clubes pequenos da Escócia).

Por apenas £ 4 milhões, o banqueiro comprou 55% das ações dos Jambos e encerrou as negociações com Cala Holmes. As dívidas não foram pagas, mas transferidas. No lugar do Bank of Scotland, o credor passava a ser o banco Ukio, que cobraria juros abaixo do mercado. Aliás, esse recém-criado vínculo entre o passivo dos Jambos e o Ukio deixou a torcida desconfiada e aumentou as suspeitas sobre os reais interesses do empresário.

De qualquer forma, Romanov investiu no elenco, percebendo que não seria muito difícil recuperar seus investimentos no atual futebol escocês. Os primeiros reforços foram Mikoliunas e Kizys, dois lituanos que estavam no Kaunas. Em seguida, o clube lituano contratou Jankauskas, Cesnaukis e o tcheco Bednar. Os três foram emprestados ao Hearts.

Sob o comando de George Burley, os resultados chegaram rapidamente. O clube iniciou a campanha com nove vitórias, recorde na história do clube. Porém, isso não foi o suficiente para deixar o Hearts longe de crises internas.

Romanov tem um estilo de direção bastante autoritário. Assim, mesmo com a boa campanha do time, continuou trazendo jogadores, casos de Ibrahim Tall e do brasileiro Camazzola (ex-Juventude). Atitudes como essa desagradaram Burley, que se demitiu. Em seguida, saíram o diretor-geral George Faulkes e o diretor-executivo Phil Anderton. Sempre pelo mesmo motivo.

O objetivo do lituano era evitar que a comissão técnica tivesse muita influência na negociação de reforços, uma medida bastante esquisita. Para o lugar de Burley, foi contratado Graham Rix, que estava esquecido em clubes pequenos da Inglaterra. E o diretor-geral passou a ser Roman Romanov, filho de Vladimir.

Ainda assim, o Hearts se mostra firme na vice-liderança do Campeonato Escocês. A vantagem de sete pontos para o Hibernian, 12 para o Kilmarnock e 13 para o Rangers, a tendência é que os grenás de Edimburgo fiquem com a segunda vaga do país na Liga dos Campeões da próxima temporada. E o desejo de Romanov, de ver o Hearts disputando o título da maior competição de clubes do mundo (algo meio fora da realidade) continua em pé.

Ubiratan Leal

Imagens: BBC e Rainbowhearts (estádio)

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3 comentários:

Ubiratan Leal disse...

Mílton, não se esqueça: ninguém achou a Anastasia Romanov...

Ubiratan Leal disse...

É o que está parecendo...

João Pedro disse...

No Hearts joga também Fyssas, lateral grego, ex-Benfica e Panathinaikos, titular da equipe grega campeã da Europa em 2004.