segunda-feira, dezembro 19, 2005

São Paulo soube ganhar o Mundial

Números muitas vezes servem para confirmar uma teoria ou quantificar um fato. Porém, os algarismos são extremamente imprecisos para descrever a final do Mundial de Clubes entre São Paulo e Liverpool. Afinal, os 21 arremates, 17 escanteios, uma bola na trave e três grandes defesas de Rogério Ceni conseguidos pelo Liverpool impressionam diante das duas finalizações, nenhum escanteio, nenhuma bola na trave e nenhuma defesa importante de Reina logrados pelos paulistas. Ainda assim, a vitória do São Paulo foi merecida pelo que ocorreu em campo. Justamente porque o Tricolor, a despeito dos números, soube vencer o campeão europeu.

Logo no primeiro minuto de jogo, Gerrard, o principal jogador do time inglês, foi para a ponta direita e encontrou Morientes livre. O espanhol errou a cabeçada, mas passou a sensação de que o Liverpool se imporia diante dos brasileiros. Esse momento foi o único em que o São Paulo pareceu não ter o jogo em seu controle. A partir daí, os tricolores mostraram como estavam preparados para anular os reds e conduzir o duelo de acordo com suas possibilidades.

O Liverpool entrou em campo com Morientes, o mais técnico de seus três homens de área. No entanto, o espanhol não tinha a mesma presença de Crouch (que, ao contrário do que dizem ou dão a entender, faz mais gols com o pé do que com a cabeça) na área e não se movimenta com tanta facilidade quanto Cissé. Com isso, não foi difícil para o trio de zagueiros são-paulinos (Lugano, Edcarlos e Fabão) isolar o atacante.

Para isso, o meio-campo teve um papel fundamental. Júnior e Danilo marcavam Gerrard quando o inglês avançava pela direita. Caso o capitão do Liverpool tentasse uma jogada pelo meio, tinha de encarar o combate de Josué e Mineiro, ambos em jornada inspirada.

Com seu principal jogador “cercado”, o setor criativo dos reds era trôpego. Kewell conseguia alguma coisa no duelo com Cicinho. Mesmo assim, o australiano acabava caindo pela lateral e suas jogadas inevitavelmente se transformavam em cruzamento. E o jogo fluido que o Liverpool vinha apresentando, com toques rápidos, trocas de posições e domínio das ações sobre a defesa adversária, praticamente inexistiu.

O único jogador que realmente representava um perigo para os são-paulinos era Luís García. O espanhol aproveitava sua velocidade para aparecer como segundo atacante, algumas vezes sem receber a devida marcação de um zagueiro são-paulino. Ainda assim, a falta de oxigênio ofensivo do Liverpool foi tanta na primeira metade do jogo que as únicas chances efetivas foram em bolas paradas – duas cabeçadas de García, uma na trave e outra com defesa de Rogério Ceni.

Ofensivamente, o São Paulo contava, teoricamente, apenas com Aloísio e Amoroso, uma vez que Júnior e Cicinho não subiram tanto para não abrir buracos na armadilha defensiva tricolor. Aloísio ficava fixo, tentando abrir espaço no meio da zaga inglesa e servindo de referência para qualquer avanço brasileiro. Amoroso se movimentava mais, até porque ele era o encarregado de fazer a ligação entre o meio-campo e o ataque. A estratégia de ataque do São Paulo seria tímida e simplória se Autuori não contasse com dois volantes que soubessem conduzir a bola. Josué e Mineiro marcavam ferozmente e conseguiam levar a bola aos atacantes.

As táticas estavam apresentadas pelas duas equipes e a partida seguia mais pensada do que jogada. Era necessário algo que quebrasse essa harmonia. E foi o que fizeram Aloísio e Mineiro. O atacante são-paulino fez o papel que supostamente seria de Amoroso e voltou para buscar o jogo. Como ele era a referência do ataque, a defesa do Liverpool titubeou, na dúvida se estava havendo uma troca de posições ou se deveria seguir Aloísio.
Com isso, abriu-se um espaço entre Hyypia e Warnock para que Mineiro entrasse livre e recebesse em posição legal: 1 x 0. O resultado era justo porque o São Paulo atuava com inteligência. Anulou o ataque Liverpool e tinha um plano para furar a excelente defesa inglesa. Ou seja, o Tricolor tinha controle da situação.

No segundo tempo, Xabi Alonso passou a auxiliar na armação das jogadas do Liverpool, sobretudo com lançamentos longos. Nesse momento, Rafa Benítez mostrou esperteza para criar um elemento que desmontasse um pouco o esquema ofensivo do São Paulo. Amoroso foi obrigado a recuar e o ataque tricolor morreu no segundo tempo.

Porém, a equipe brasileira parecia preparada para aceitar a pressão adversária. Comandados por Lugano, os são-paulinos congestionaram a área e impediam que o Liverpool tivesse espaço para finalizar. A bola sempre encontrava um pé tricolor antes que os ataques ingleses fossem concluídos.

Os únicos momentos em que os reds criaram ações ofensivas completas (com começo, meio e fim) foi com Luís García entrando livre pela direita e finalizando para defesa à queima-roupa de Rogério Ceni e na jogada em que Lugano fez falta violenta em Gerrard após uma falha grotesca de posicionamento da defesa tricolor. A outra grande oportunidade inglesa foi em uma cobrança de falta (muito bem batida por Gerrard, mas que mostra a incapacidade de armar jogadas do Liverpool nesse domingo).

O domínio vermelho era falso. Era uma pressão desesperada, sem que houvesse um esquema que desse suporte a ela. O São Paulo em nenhum momento foi envolvido ou se viu realmente acuado. O torcedor tricolor que viu a partida pode até ter se sentido assim, mas isso é mais emoção natural do jogo do que um reflexo do que ocorria no gramado.

Por isso o São Paulo mereceu a vitória. Soube reagir de acordo com as situações apresentadas pela partida, como se estivesse preparado para cada cenário possível. Assim, até o domínio (nos números) do Liverpool pareceu algo previsto pela equipe de Autuori. Uma vitória que, apesar do tom desse artigo, não foi apenas tática. Foi técnica e de raça, pois o Tricolor tinha jogadores aptos e determinados a cumprirem os planos traçados. E a reverter o favoritismo do Liverpool, que era real, mas se mostrou frágil.

FICHA TÉCNICA
Liverpool 0 x 1 São Paulo
Final do Mundial de Clubes
Data:
18 de dezembro de 2005
Local: estádio Internacional, Yokohama-JAP
Público: 66.821 pagantes
Árbitro: Benito Archundia (México)
Liverpool: Reina; Finnan, Carragher, Hyypia e Warnock (Riise); Xabi Alonso, Sissoko (Sinama-Pongolle), Gerrard e Kewell; Luís García e Morientes (Crouch). T: Rafa Benítez
São Paulo: Rogério Ceni; Fabão, Lugano e Edcarlos; Cicinho, Mineiro, Josué, Júnior e Danilo; Amoroso e Aloísio (Grafite). T: Paulo Autuori
Gol: Mineiro (26/1º)
Cartões amarelos: Lugano e Rogério Ceni

Ubiratan Leal

4 comentários:

André Monnerat disse...

Ok.

Mas se a bola na trave tivesse ido pro gol e o Rogério não tivesse feito um só de seus milagres e o Liverpool acabasse ganhando por 2x1 - você escreveria que foi um resultado injusto?

O São Paulo no segundo tempo não passou do meio-campo. O Liverpool foi mesmo incompetente para criar, mas mesmo assim teve pelo menos umas três chances claras de gol, sem contar os que foram anulados. Foram bolas paradas? Foram falhas pontuais da defesa? Não importa. Gols assim também valem e, quando você abre mão de ter a bola todo o tempo, está mais sujeito a que esse tipo de coisa aconteça - mesmo que o adversário não esteja bem. E o São Paulo poderia sim ter levado pelo menos um ou dois gols, pelo que se viu em campo. Não levou por detalhe, futebol é isso aí.

Não dá pra dizer que foi injusta a vitória do São Paulo. Futebol é assim, ganha quem aproveita mais chances de gol. Mas daí a dizer que "jogou melhor" ou "teve o controle da partida", sinceramente, me parece muita vontade dos jornalistas brasileiros em ver uma superioridade patropi que não existiu.

Ubiratan Leal disse...

André, claro que, se uma bola do Liverpool entrasse, o jogo poderia ser diferente. Até porque é natural que um time, perdendo por um gol em uma final, tente o empate de qualquer jeito. E é óbvio que uma dessas bolas pode acabar entrando (e muitas evzes acaba entrando. Um exemplo é o 3 x 3 do Liverpool com o Milan).

O que eu quis dizer é que o São Paulo soube desmontar o esquema do time inglês, que teve de fugir às suas características para conseguir atacar (e por isso o fez sem a força que costuma ter). No momento em que o Liverpool não atuou da forma que lhe conviesse, mas da maneira que o São Paulo permitiu que ele atuasse, o time brasileiro mostrou que controlava o jogo. Por isso, o São Paulo mereceu ganhar.

Pode acreditar, se o Liverpool tomasse o gol do Mineiro, mas conseguisse jogar da forma que quisesse depois disso, teria criado muito mais chances e poderia ter empatado e virado.

Pode ter certeza que esse texto não tem a menor pretensão de glorificar gratuitamente o São Paulo ou o futebol "brasuca" (como muita gente equivocadamente tem feito). Até porque o Balípodo não ganha rigorosamente nada ao fazer isso. Atente ao texto: não escrevo que o São Paulo ganhou porque é melhor, mas porque soube o que fazer para ganhar. É muito diferente.

Por fim, vale salientar que o mérito do São Paulo foi adotar uma tática muito pouco "brasuca". Ou seja, não dá para dizer que o futebol "patropi" se impôs (e não sei de onde você tirou essa interpretação do texto, pois o termo "futebol brasileiro" não foi usado uma única vez e a projeção de Liverpool x São Paulo como Inglaterra x Brasil é nula).

Caso o texto tenha dado a entender isso, desculpe-me. Seria um sinadl de que não foi claro o suficiente.

Anônimo disse...

Como são paulino que sou, reconheço que assisti ao jogo cego para esses detalhes. Achei que o Tricolor estava tomando um sufoco bravo e que, se havia algum controle da situação, era uma tática no mínimo arriscada demais para um time que ganhava só por 1x0.
Lendo esse texto, concordo com quase tudo. Só queria ter visto algum comentário que explicasse (ou especulasse) sobre o pouco empenho criativo do meio campo tricolor.

De qualquer forma, o que importa é que somos TRICAMPEÕES MUNDIAIS.

abraços,
Bruno

André Monnerat disse...

Eu não quis dizer que você falou em superioridade do "futebol brasileiro", apesar de ter dado essa impressão; não falava no futebol patropi, e sim nesse time patropi específico (podia ter dito "do São Paulo" no lugar e aí teria dito o que quis dizer). E falei nos "jornalistas brasileiros" por que não foi só você que fez esse tipo de comentário, falando que o São Paulo mereceu vencer - na verdade, quase todos os comentaristas daqui disseram isso.

Eu não concordo.

Então o Liverpool teve que mudar o estilo. Se tivesse jogado como quisesse teria criado mais chances. O São Paulo soube amarrar o time inglês. Tá, tudo bem.

Mas, mesmo assim, o Liverpool criou sim o suficiente para ter feito mais gols do que o São Paulo. Foram três gols anulados, uma bola na trave e pelo menos três grandes defesas do Rogério. Se nada disso resultou em ao menos um gol, foi por detalhes, por coisas do futebol. Se o Liverpool tivesse conseguido o empata ou até a vitória, ninguém ia poder dizer que não havia feito por merecer.