sexta-feira, janeiro 20, 2006

Copa Africana de Nações 2006

Nenhuma competição continental entre seleções é tão simbólica quando a Copa Africana de Nações. Afinal, a Eurocopa, com toda sua grandeza, tem o contraponto da Liga dos Campeões e a força dos clubes do Velho Continente. A Copa América tem a seleção mais vitoriosa do futebol mundial e quase 90 anos de história, mas é rejeitada por seus próprios participantes. Já a CAN, não. Essa é a única competição em que os países africanos podem medir suas forças, pois o cenário clubístico africano é fraco. Além disso, a Copa Africana conta com um enorme equilíbrio entre as seleções que a disputam, fazendo dela um torneio mais do que interessante, por mais que o futebol do continente negro tenha desacelerado seu ritmo de evolução.

A edição 2006 do torneio tem boas chances de ser pautada pelas surpresas das Eliminatórias africanas da Copa. Primeiro, vale para observar a capacidade técnica de Gana, Costa do Marfim, Angola e Togo, países que surpreendentemente conseguiram um lugar na Alemanha. Além disso, a CAN pode representar uma certa “revanche” de potências do continente, como Camarões, Nigéria, África do Sul, Senegal e Marrocos, todas fora do Mundial. Afinal, o resultado das Eliminatórias deve ser levado em conta, mas não significa que houve uma inversão na relação de forças na África.

Veja um resumo dos quatro grupos. Como sempre faz, o Balípodo ordena as seleções das que o site considera com mais chances para as que têm menos possibilidades.

Grupo A
Coincidentemente, três dos integrantes dessa chave se encontraram nas Eliminatórias, o que dá um pouco de parâmetros para a análise. De qualquer forma, a favorita da chave é uma seleção que não vai à Alemanha. Jogando em casa com a responsabilidade de se isolar na lista de maiores campeões da África, o Egito deve ser visto como candidato ao título, algo muito além de pensar se passa ou não de fase. Em campo, as principais armas dos faraós são o atacante Ahmed “Mido” Hossan, do Tottenham Hotspur, e o meia de criação Mohamed Barakat, que decepcionou com o Al Ahly no Mundial de Clubes. Também conta pontos a favor dos egípcios uma maior estabilidade tática e o fato de ter mais conjunto pelo fato de boa parte do time atuar em clubes locais.

A segunda força deve ser a Costa do Marfim. Os elefantes souberam juntar os cacos depois de sequer se classificar para a CAN de 2004 (coisa que até Ruanda fez) e montaram rapidamente uma seleção forte tecnicamente e com talento distribuídos pelos diferentes setores do campo. Na defesa, Koulo Touré do Arsenal; no meio-campo, Didier Zokora, e no ataque, a perigosa dupla Didier Drogba e Aruna Dindane. Com a confiança de quem conseguiu a classificação para a Copa, os marfineses podem ser considerados candidatos aos quatro primeiros lugares.

Se egípcios ou marfineses se desconcentrarem, Marrocos não hesitará em tirar uma vaga do grupo nas quartas-de-final. Os leões do Atlas contam com o talentoso – mas ainda jovem – atacante Marouane Chamakh, do Bordeaux, e o zagueiro Talal El Karkhouri. Uma mostra da solidez da seleção marroquina é que ela foi vice campeã continental na CAN 2004 e a única a terminar as Eliminatórias africanas sem perder uma partida sequer. No entanto, a baixa produtividade do ataque preocupa.

Em um grupo com três equipes tão fortes, é difícil ver grandes possibilidades na seleção da Líbia. Ainda assim, o time da terra de Moumar Khaddafi não deve ser menosprezado. Desde que acabou o embargo ao país, no início da década, os líbios estão investindo pesado para colocar seu futebol entre os mais fortes do continente. E isso não é só no patrocínio da Tamoil à Juventus de Turim, mas na realização de amistosos contra boas seleções de outros continentes. Nas Eliminatórias, a Líbia foi quarta em um grupo com Camarões, Egito e Costa do Marfim, mas teve boas atuações e merece algum crédito.

Grupo B
Mesmo fora da Copa, Camarões é favorita destacada da chave. Afinal, têm mais talento e, principalmente, experiência em competições internacionais que Togo, Angola e Congo-Kinshasa. A estrela, claro, é Samuel Eto’o, melhor jogador africano da atualidade. Além de artilheiro, o atacante do Barcelona sabe assumir a responsabilidade de decidir quando defende a seleção camaronesa. O maior risco é o fantasma da desclassificação nas Eliminatórias, com um pênalti decisivo desperdiçado nos descontos do último jogo. Em um momento de dificuldade, esse trauma pode minar psicologicamente Camarões. Algo que nõ pode ser menosprezado.

Atrás de Camarões existe um certo equilíbrio, mas Angola leva alguma vantagem por estar em trajetória ascendente há mais tempo. Os palancas negras rondaram a classificação nos últimos três mundiais e desclassificaram a Nigéria, uma potência indiscutível do continente. Apesar de o benfiquista Mantorras ser o jogador mais conhecido, Akwa é, no momento, a principal estrela angolana. De resto, o time depende muito do conjunto e da determinação dos jogadores, pois falta experiência e até ritmo de competição (a maior parte do elenco é reserva em seus clubes).

Por ter eliminado Senegal e Zâmbia nas Eliminatórias, Togo fica como terceira força da chave. A principal força togolesa é o conjunto armado pelo técnico nigeriano Stephen Keshi, que conta com o atacante Emmanuel Adebayor, do Monaco, como ponto de desequilíbrio. Destaque também para Cherif Touré. Vencer Gana em um amistoso na Tunísia é algo a ser respeitado, mas a seleção é relativamente fraca e deve muito de sua classificação para o Mundial à implosão de Senegal.

A República Democrática do Congo (ex-Zaire e chamado pelo Balípodo de Congo-Kinshasa para diferenciar de Congo-Brazaville, adotando uma antiga padronização) quase certamente será menosprezada pela imprensa brasileira que cobrir o torneio. Mas o time deve ser respeitado. Os simbas têm uma consistência admirável (oitava participação consecutiva na CAN, com um terceiro lugar em 1998) e sempre criam problemas nas Eliminatórias, mesmo fazendo campanhas furtivas. O maior destaque é o atacante Lomana LuaLua, do Newcastle.

Grupo C
Em geral, o futebol africano chama a atenção pela habilidade e vigor físico de atletas da região negra do continente. Por isso, passa desapercebido o fato de a Tunísia ser uma potência africana, conquistando o último título continental e um lugar na Copa do Mundo pela terceira vez seguida. É verdade que a força tunisiana não é a individualidade, mas a experiência do conjunto comandado pelo francês Roger Lemèrre. Mesmo assim, tem no lateral-direito Trabelsi e no atacante Francileudo dos Santos (brasileiro de nascimento) dois nomes que merecem olhares atentos. Discretamente, é uma das favoritas ao título.

As chances da África do Sul estão, em boa parte, na capacidade de o time transformar em futebol a necessidade de manter seu orgulho. Vistos como grandes candidataos a potência continental na segunda metade da década passada, os sul-africanos viram seu futebol ruir em crises internas e na dificuldade de revelar uma quantidade maior de grandes jogadores. A quatro anos de sediar seu próprio Mundial, a África do Sul precisa mostrar que deve ser respeitada no cenário internacional. Com técnico novo (Ted Dumitru assumiu em dezembro) e seu maior talento, o atacante Benny McCarthy, declarando não ter vontade de disputar a CAN, fica difícil esperar algo dos Bafana Bafana. Ainda assim, as quartas-de-final são um objetivo realista.

Zâmbia até hoje vive à sombra da campanha histórica nas Olimpíadas de 1988, quando fizeram 4 x 0 na Itália, e do acidente aéreo que matou quase todos seus principais jogadores durante a disputa das Eliminatórias para a Copa de 1994. A estrela desses dois times é hoje o técnico da seleção zambiana: Kalusha Bwalya. Tê-lo como referência e eventual pára-raio para qualquer cobrança ajuda a equipe, que não esbanja talento, mas tem competitividade suficiente para pensar em chegar entre os oito melhores. O melhor jogador do time é o atacante Collins Mbesuma, do inglês Portsmouth.

A seleção da Guiné é a mais fraca do grupo, mas pode criar problemas. Possui jogadores experientes como Diawara, Feindouno e Balde e tem desempenhos discretos, mas consistentes nos últimos anos (foi quadrifinalista da CAN em 2004). Depende de aproveitar a crise da África do Sul e a falta de um jogador que desequilibre em Zâmbia.

Grupo D
Considerado, com razão, o “grupo da morte”. Assim, apontar um favorito é mais questão de indicação aleatória do que real convicção. De qualquer maneira, a Nigéria começa o torneio como equipe mais forte da chave. Tem os talentos de Okocha e Aghahowa, além da impetuosidade de Obafemi Martins e a experiência de quem disputou as três últimas Copas e sempre é favorita a qualquer coisa no futebol africano. O ponto-chave da campanha das super águias é a desclassificação para Angola nas Eliminatórias. O fracasso pode servir como motivação para provar sua força como motivo de perda de autoconfiança.

Com quase tanto talento quanto a Nigéria está Gana. As estrelas pretas contam com Appiah e Essien, dois jogadores em grande fase, e, com a vaga na Copa assegurada, recuperaram a confiança perdida após sequer se classificar para a CAN de 2004 (ficou em último nas Eliminatórias, atrás de Ruanda e Uganda). Gana sempre foi conhecida como a potência africana (quatro títulos continentais) que dava azar nas Eliminatórias para o Mundial. Agora que, finalmente, tem vaga na Copa, deve priorizar o torneio na Alemanha. Por isso, as chances na CAN 2006 ficam um pouco menores, mas chegam ao Egito como candidatos ao título.

Senegal ficou entre as oito melhores seleções na última Copa do Mundo, mas não soube gerenciar o próprio sucesso. Seus jogadores foram pegos pela soberba e entraram em repetidas más fases. Além disso, perderam autoconfiança após serem vistos como decepção pelos grandes clubes europeus com os quais fizeram bons contratos após o Mundial 2002. Por isso, ficaram atrás de Togo nas Eliminatórias para a Copa da Alemanha. E pela mesma razão são respeitados, mas vistos como incógnita, na competição continental. As estrelas são as mesmas vistas na Coréia do Sul e no Japão há quatro anos: El Hadji Diouf, Pape Bouba Diop e Henri Camara.

O único figurante da chave é Zimbábue. Os guerreiros até têm um bom conjunto e costumam fazer campanhas razoáveis pelo continente, mas deve ser pouco diante de três potenciais semifinalistas. Deve ter como objetivo dificultar os adversários para ver se ganha mais espaço no cenário continental.

Ubiratan Leal

Imagem: Africa Foot

Um comentário:

Daniel F. Silva disse...

A Copa Africana das Nações é sempre uma competição interessante de se ver. Pena que nenhuma TV aberta brasileira se interessou em transmitir o torneio (acho que a única vez que isso aconteceu foi em 1992, no Senegal, quando a Costa do Marfim foi a campeã).