quinta-feira, janeiro 19, 2006

Edmundo e palmeirenses são mitos um do outro

No final de 1994, Edmundo estava em grande fase no Palmeiras. Acabara de ajudar o Alviverde a conquistar o bicampeonato brasileiro (sua importância era tão grande que o clube entrou com pedido de efeito suspensivo para que o atacante jogasse a final contra o Corinthians) e já era cogitado para a seleção brasileira. Mesmo assim, o jogador não teve pudor em forçar sua saída do Parque Antárctica para integrar o suposto “ataque dos sonhos” do centenário Flamengo de 1995.

Pensando por esse aspecto, fica difícil entender como Edmundo foi capaz de mobilizar tanto os palmeirenses nessa sua volta ao clube paulistano e porque seu gol desta quarta, de pênalti contra o São Bento (o primeiro desde o retorno ao Parque Antárctica), foi tão celebrado. Da mesma forma como não parece fazer sentido o atacante demonstrar tanto carinho por uma equipe que ele próprio fez questão de deixar há 10 anos. Porém, Edmundo e torcida do Palmeiras significam um para o outro mais do que a relação ídolo x fã.

O título mais importante da história palmeirense foi a Copa Libertadores de 1999 e o time mais brilhante das últimas décadas talvez seja o do primeiro semestre de 1996 (o dos 102 gols no Paulistão). Porém, o Palmeiras de 1993-94 tem um significado especial. Era uma equipe que despertava o sentimento de esperança de renascimento após os 17 anos sem títulos e, depois de um tempo, passou uma sensação de onipotência a seus torcedores. Afinal, era tecnicamente muito superior ao de 1999 e teve maior longevidade em relação ao de 1996.

O time de 1993-94, com Edmundo, Evair, Edílson, Antônio Carlos, Zinho, Cléber, Rivaldo, Mazinho, César Sampaio e Roberto Carlos foi um ensaio de uma terceira Academia no clube do bairro de Sumaré. Até hoje, esse time gerou dois grandes ícones no imaginário da torcida alviverde: a dupla de ataque Evair e Edmundo.

No imaginário da torcida alviverde, cada um tinha um papel muito bem definido. Evair era o cérebro, o Palmeiras clássico e acadêmico, que se identifica com o periquito. Edmundo era o instinto, como o torcedor mais jovem do Palmeiras, que precisava externar seus sentimentos sem medo de se expor. O palmeirense que se chama de “porco”.

Por isso, a volta de Edmundo remete imediatamente o palmeirense a esse tempo de esperança e onipotência. Um tempo em que tinha um jogador que refletia em campo seu sentimento na arquibancada. O fato de Edmundo nunca ter adotado o discurso de “amor à camisa” é menor perto dessa identificação.

Porém, o carinho é recíproco. Edmundo, apesar das atitudes impensadas que permearam sua carreira, não é um sujeito completamente alheio do mundo e irresponsável. Entre uma explosão e outra, ele não esconde que tem crises de consciência e de que sabe que cometeu erros capitais pelos clubes pelos quais passou.

Apesar de ter mostrado um bom futebol na Fiorentina durante uma temporada, seus grandes momentos foram no Palmeiras e no Vasco. A melhor fase, de fato, foi em São Januário em 1997, mas as brigas com Romário e a diretoria cruzmaltina deixou sua imagem manchada com a torcida e vice-versa.

Por isso, o Palmeiras restou como único lugar em que todos os erros de Edmundo são perdoados. Um lugar em que ele sente que seus feitos em campo eram mais fortes que seus erros. Em contato com o clube alviverde e sua torcida, Edmundo sempre terá a certeza que sua passagem no futebol não foi em vão.

Com tanto simbolismo em volta, o fato de o atacante não ter mais a mesma condição física para mostrar seu talento ou para efetivamente levar o Palmeiras a grandes glórias é secundário. Ao se reencontrarem, Edmundo e a torcida palmeirense se sentem novamente em um tempo em que nada parecia dar errado.

Ubiratan Leal

Imagens: Terra/Agência Lance (Edmundo em 2006) e Forza Verdão (Edmundo em 1993)

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