terça-feira, janeiro 10, 2006

Aos poucos, parece que estão aprendendo

Era uma coisa relativamente previsível, mas é bom constatar que os clubes brasileiros, aos poucos estão aprendendo os conceitos de planejar uma equipe desde a pré-temporada. É uma constatação ainda genérica, mas que se pode perceber pela forma como as equipes buscaram seus reforços no mercado de verão.

Primeiro, é preciso deixar claro que qualquer comparação com o nível de organização e sistematização do futebol europeu é inútil. Não é esse o objetivo deste texto, até porque, se for usado um parâmetro tão fora da realidade, pode-se perder a oportunidade de identificar e aproveitar qualquer melhoria.

Outra consideração importante é entender o que é montar adequadamente uma equipe no atual cenário do futebol brasileiro. Por exemplo, ainda é inviável imaginar que os clubes não percam alguns de seus melhores jogadores durante o ano para o exterior. Assim, um bom planejamento faz que o êxodo seja menor ou, ao menos, o clube esteja preparado para repor tais perdas.

Além disso, não pode ser considerado correto o investimento em bons jogadores, mas fora da realidade financeira do futebol brasileiro ou do clube. Como também é errado adotar o “estilo Real Madrid”, investindo em posições que já estão bem-atendidas e correndo o risco de deixar buracos em outros setores do campo. Por fim, outro erro crônico dos clubes brasileiros é apostar em jogadores sabidamente decadentes, que construíram seu nome há anos, mas que não justificam em campo tanta consideração.

E, como um todo, percebe-se que os clubes não caíram ou procuraram não cair nas armadilhas e tentações do mercado de verão. Alguns gastaram mais que outros e houve contratações que em princípio parecem equivocadas, mas, como um todo, as equipes mostram a intenção (e que fique claro que o Balípodo se refere a intenção, não à consecução) de realizar planos de longo prazo. Claro, em um calendário mais organizado, tendo como base um torneio longo que valoriza a regularidade e o planejamento, seria inevitável que, aos poucos, os clubes fossem aprendendo.

Veja abaixo o que o Balípodo achou das ações dos principais clubes do país (até a data de publicação do texto).

Atlético-MG – O Galo parece ter aprendido algo depois de 2005. Ano passado, a diretoria apostou em veteranos e jogadores decadentes e acabou rebaixado no Campeonato Brasileiro. Para um time que terá de conviver com o orçamento reduzido de quem disputa a Série B e precisa de jogadores motivados e dispostos a se sacrificarem, o investimento nos jovens que quase salvaram o time no final do Brasileirão é acertado. Foi assim que Palmeiras e Grêmio voltaram à elite após passarem pelo andar de baixo do futebol brasileiro.

Atlético-PR – A possível vinda de Lothar Matthäus é uma incógnita e tem motivações de marketing se misturando com considerações técnicas. No entanto, esse tipo de atitude é normal no rubro-negro paranaense, que demonstra pouco pudor em arriscar-se com nomes incomuns para o banco ou para o elenco. Em relação aos jogadores, o Furacão parece estar montando um time forte para 2006. Manteve peças-chave no grupo, como Dagoberto (por onde passa boa parte das hipóteses de sucesso do time), Jancarlos, Paulo André e Alan Bahia, além de trazer Michel Bastos, revelação do Figueirense em 2005. Resta saber se a vocação de montar bons times é maior que o pouco pudor em desfazê-los rapidamente.

Botafogo – Mesma estratégia que deu certo em 2005: um técnico desconhecido e com algo a provar, alguns jogadores já veteranos e de eficiência duvidosa e vários jovens. Não é uma estratégia de todo mal, mas o Botafogo poderia aproveitar melhor seu dinheiro se parasse de contratar jogadores veteranos e assumisse a necessidade de montar equipes jovens e com possibilidade de fazer parte de um projeto de time de longo prazo. Até porque essa é a política da diretoria para a parte institucional do clube. Poderia refleti-la no departamento de futebol.

Corinthians – O time titular é bom, mas o Alvinegro se perdeu no meio de suas brigas políticas e acabou ignorando a necessidade de dar profundidade ao elenco em um ano de Libertadores. A equipe continua precisando de um zagueiro confiável, que lidere o setor, de um goleiro experiente para o lugar de Fábio Costa (por mais que parte da imprensa o elogie, Marcelo ainda demonstra falhas típicas de goleiro iniciante) e de um meia de armação para substituir ou ficar ao lado de Roger. O único acerto parece ser Rafael Moura, um centroavante típico e que não perde gols com a facilidade de Bobô e Jô, algo que anda em falta no Parque São Jorge.

Coritiba – Por enquanto, o time do Coxa é muito semelhante ao que foi rebaixado. Em teoria, não é ruim, pois a equipe é sustentável financeiramente e tem uma capacidade técnica razoável. O Alviverde paranaense não caiu para a Série B por falta de jogadores, mas por problemas internos no elenco e no clube. Assim, mais importante do que remontar a equipe é identificar os erros e agir pontualmente em cima deles. A briga que seguiu a eleição presidencial do Coritiba não é um bom sinal.

Cruzeiro – O clube mineiro investiu bastante e, em princípio, bem. Soube encontrar jogadores de qualidade técnica e com futebol para mostrar, alguns para compor a base do time titular (Araújo, Gil e André Leone) e outros para dar opções a Paulo César Gusmão (Lauro e Jonílson). Além disso, conta com um técnico promissor e que tem condições de transformar o grupo em uma equipe. Se a diretoria souber conter o desejo incontrolável de vender seus jogadores no meio do campeonato, o time pode até brigar pelo título brasileiro. A maior incógnita é Élber, desambientado ao futebol brasileiro e sem atuar com constância há mais de um ano.

Flamengo – O clube não fez nada digno de nota. Talvez o fato de ter reconhecido sua situação financeira e, ao contrário do que costuma fazer, não ter contratado nenhum jogador caro e de pouco futebol. Manteve César “El Tigre” Ramírez, o que já é algo positivo, mas o Rubro-negro preocupa por um aspecto: está estagnado há anos, sem evolução alguma em longo prazo. Nem que fosse para mostrar uma geração de jovens que pudesse manter o otimismo da torcida (se bem que o título da Copa Cultura/Rio-São Paulo de juniores em 2005 é algo a se considerar). O objetivo continua sendo, no final do ano, permanecer na Primeira Divisão nacional.

Fluminense – Em teoria, fez tudo direitinho. Trouxe um técnico razoável (Ivo Wortmann) para substituir Abel, um bom goleiro (Diego), um volante/lateral experiente para o lugar de Gabriel (Rogério) e manteve a estrutura do meio-campo (Marcão, Arouca, Radamés e Petkovic). Se tudo der certo, o Tricolor carioca terá a mesma força que em 2005. Mas fica a pergunta: não seria mais prático ter mantido o elenco do ano passado? Por mais que o Fluminense tenha atuado bem no mercado, poderia dispensar tanto esforço se tivesse conseguido segurar mais jogadores do grupo quadrifinalista da Copa Sul-Americana e quinto colocado no Brasileiro. Por exemplo, Tuta nunca foi o centroavante preferido do Balípodo, mas sua saída ainda não foi bem reposta nas Laranjeiras.

Goiás – Perdeu Paulo Baier, pode negociar Rodrigo Tabata e não parece fazer muita força para reforçar substancialmente o time. A base é praticamente a mesma do Brasileirão e os objetivos não podem ser muito extravagantes, sobretudo na Libertadores. Em um campeonato de longo prazo, como o Brasileiro, talvez o clube tenha mais sucesso. A sensação que passa é que a diretoria tem consciência de que não pode forçar um crescimento não-sustentável e tem evitado medidas exageradas ou impensadas.

Grêmio – O Tricolor gaúcho voltou de maneira histórica à Série A, mas ficou evidente que o clube tem um elenco de Segunda Divisão ainda. Tcheco, Reinaldo e o argentino Maidana são apostas, mas dificilmente mudarão significativamente o estágio técnico do time. Com o que tem hoje, o Grêmio só realizará uma boa campanha entre os grandes se estiver em campo sempre com um espírito aguerrido além da própria capacidade. Atenção para o bom lateral-direito Patrício.

Internacional – Pode-se dizer que o torcedor colorado não tem motivos para ficar feliz com seu time. A base vice-campeã brasileira foi mantida, inclusive os principais jogadores (Fernandão, Rafael Sóbis e Tinga). Porém, o clube não resolveu o problema de insegurança no gol (Clemer ainda é o titular) e os poucos jogadores que saíram (caso, talvez, de Élder Granja) não foram substituídos à altura. Abel Braga tem o mérito de, mesmo com décadas de carreira, ainda estar em evolução, mas o trabalho de Muricy já estava consolidado no Beira-Rio.

Palmeiras – Sem muito dinheiro, nem vontade de arriscar demais, a diretoria palmeirense buscou tornar o elenco mais profundo e com possibilidade de variação. As características de jogo dos reforços, sobretudo Paulo Baier, Edmundo, Amaral e Enílton, foram muito bem avaliadas e o time titular pode se tornar forte pela capacidade de se homogeneizar. Porém, os jogadores de talento destacado são Marcos, Gamarra, Paulo Baier, Juninho Paulista, Marcinho e Edmundo. À exceção de Marcinho, é uma base envelhecida e com menos capacidade de explosão do que o recomendável para quem disputara a Libertadores.

Santos – No papel, montou um dos times mais fortes do Brasil. Tem grandes jogadores em várias posições e um técnico capaz de planejar e montar um time. Se tudo der certo, usarão o Paulistão como base de ensaios com boa chance de sucesso (Corinthians, São Paulo e Palmeiras estarão se dedicando à Libertadores) e entrarão com muita força no Brasileirão. Porém, o Peixe deve vencer três dúvidas: a) o clube trouxe 14 jogadores: será que a diretoria não exagerou e contratou jogador demais?; b) o time é completamente novo: será que haverá “encaixe” entre as peças?; c) em longo prazo, não seria mais recomendável e prudente gastar menos?

São Paulo – Uma situação semelhante à do Internacional. Como o São Paulo manteve a base de sucesso de 2005, entra forte na atual temporada. É candidato ao título da Libertadores e, caso se dedique, ao Brasileiro. Porém, o clube perdeu a oportunidade de reforçar algumas posições (como o setor de armação) e não conseguiu repor a saída de Cicinho. A situação pode ficar pior caso se confirme a saída de Amoroso. Grafite e Aloísio podem formar uma boa dupla de ataque, mas o time não tem reservas convincentes. Até porque Rodrigo Fabri é uma contratação que não parece das melhores.

Vasco – Com Eurico Miranda no comando, não se vê qualquer sinal de mudança na política de contratações do Vasco. É o clube que menos mostra evolução na mentalidade, tanto que segue apostando em jogadores em fase mais que descendentes, como Ramón e Fábio Baiano. No geral, o clube de São Januário está tão estagnado quanto o Flamengo, mas o Rubro-negro tem o mérito de reconhecer seus problemas e, ao menos, tentar mudar. Os cruzmaltinos, nem isso. Sorte do clube que Alex Dias e Morais permaneceram, além do goleiro Roberto (que não é espetacular, mas dá alguma segurança no gol).

Ubiratan Leal

Imagens: Real-Page (Beckham), Cruzeiro (reforços do Cruzeiro) e Santos (Fabinho)

6 comentários:

Anônimo disse...

Ubiratan,

O Jorge Wagner continua no Inter.

Anônimo disse...

É Francisco. Ele levou um puxão de orelha da diretoria porque estava prestes a se apresentar o Lokomotiv russo, achando que não renovaria com o Inter.

Ubiratan Leal disse...

Pois é... Ele estava para sair e isso ficou na minha cabeça. Fui escrever de memória e deu nisso... Valeu!

Anônimo disse...

Sou santista e acho que as contratções foram ótimas.

Mas concordo com você. Acho preocupante gastar tanto dinheiro assim. Maldonado, Fabinho, Fábio Costa, Giovanni, Luizão, Kléber, Luiz Alberto e Reinaldo devem ter salários altos e caso o Santos decepcione na temporada, a coisa pode ficar feia financeiramente. Ainda tem o dinheiro gasto nas contratações, que não foram poucas...

Tem tudo pra dar certo, mas é bastante arriscado.

Anônimo disse...

Isso sem contar o salário do Luxemburgo, que é algo totalmente fora da realidade...

Anônimo disse...

Acabo de ler que Rivaldo pode vir para o Grêmio após o fim do seu contrato em Maio de 2006. Sem comentários.
Poderia falar mais sobre o tricolor imortal, mas paro por aqui.
Saudações!