segunda-feira, janeiro 02, 2006

Atlético ainda não se recuperou

Quem analisar os resultados do futebol espanhol nas últimas dez temporadas, ode ter a sensação de que, além de Real Madrid e Barcelona, os principais clubes do país são Valencia e Deportivo La Coruña. Talvez até o Villarreal. Enquanto isso, o Atlético de Madri, terceiro time em títulos e torcida na terra de Sancho Pança, tateia desesperado em busca do caminho da grandeza.

O processo do Atlético tem início em meados da década passada. Na época, o Atleti era comandado por Jesús Gil y Gil, que adotava métodos bastante amadores na direção do clube de Manzanares. Totalitário, instável, pouco afeito a planejamentos, nepotista (seu filho Miguel Ángel era diretor de futebol) e simpatizante da demissão de técnicos, o dirigente (e proprietário do clube) dificultou a realização de trabalhos de longo prazo no Atlético.

Os colchoneros – que já foram campeões mundiais (coisa que o Barcelona não fez), eram os principais adversários do Real nos anos 60 (por mais que a lenda dê conta que o Barça ia melhor) e tem o valor histórico de, mesmo tendo sede em Madri, sempre ter se alinhado mais com as províncias do que com o poder central – ainda mantinham seu espaço porque outras equipes tradicionais, como Sevilla, Valencia e Betis, ainda estavam se reestruturando. Mas o La Coruña, que já via resultado do modelo administrativo que implantara, já era o grande adversário de Real e Barcelona no Campeonato Espanhol.

Em 1996, o título na liga e na Copa do Rei foi quase um acidente. Em uma temporada em que Real Madrid e La Coruña passaram por péssima fase e o Barcelona sofreu com oscilações de desempenho, o Atlético de Radomir Antic (único treinador que conseguia se manter por vários meses na era Gil) conseguiu embalar e, com uma equipe apenas boa (Caminero, Pantic, Molina, Geli, Kiko, Penev e Simeone eram os principais nomes), disparou na liderança no primeiro turno e mostrou competência para controlar o assédio dos principais perseguidores.

No entanto, o título, por mais que tenha sido merecido, teve algo de acaso. Nas temporadas seguintes, o envolvimento de Gil com transações suspeitas e a maneira como administrava a cidade de Marbella (balneário na Andaluzia do qual era prefeito) foram investigadas pelas autoridades espanholas. Se o presidente do Atlético já não era um exemplo de administração racional, suas atitudes se tornaram ainda mais ciclotímicas.

Essa queda teve reflexos em campo. Os rojiblancos passaram a fazer campanhas cada vez mais fracas até 1999-2000, quando foram rebaixados. Nesse momento, além de sofrer com o caos administrativo, o Atlético sentia a piora nas condições financeiras de Gil. Na primeira temporada na Segunda Divisão, a direção do clube decidiu investir pesado. Manteve os principais jogadores da temporada anterior e ainda contratou o atacante Salva, artilheiro do Campeonato Espanhol com o Racing Santander.

Não deu certo. O time não se adaptou à Segundona e acabou em quarto lugar, a uma posição da promoção. Esse resultado apenas agravou a crise financeira do Atlético. Na temporada seguinte, com um elenco mais econômico, os colchoneros conseguiram voltar à elite. Porém, já estavam em uma nova realidade administrativa.

Jesús Gil, com problemas de saúde, se afastara da direção do clube. As enormes dívidas motivavam as autoridades espanholas a decretarem intervenção, o que acabou acontecendo um ano depois. Com isso, o time tinha de conviver entre a pressão da torcida por contratações de devolvessem a grandeza ao Atlético e a incapacidade de investir alto.

Durante duas temporadas, os rojiblancos viveram da esperança de ver o jovem atacante Fernando Torres explodir e de jogadores medianos. O clube até teve alguns brilharecos nas duas últimas temporadas, mas não tinha condições de ir além do bloco intermediário. O que realmente aconteceu.

No entanto, o cenário era diferente para essa temporada. Em Madri, do Campeonato Espanhol começou na expectativa do duelo de técnicos sul-americanos. Vanderlei Luxemburgo pelo Real e Carlos Bianchi com as cores do Atlético. É evidente que a cobrança e pressão seria maior sobre o brasileiro devido aos investimentos dos merengues, mas os colchoneros não aceitariam uma campanha tediosa, pois a vinda do argentino simbolizaria justamente o renascimento do clube de Manzanares.

Na pré-temporada, a nova diretoria correu atrás – a pedido de Bianchi – de Riquelme. Sinal de que as ambições colchoneras eram grandes. Porém, a recusa do meia argentino, que trabalhara com o técnico no Boca Juniors, mostra como o status do Atlético caiu no futebol espanhol. De qualquer forma, vieram bons jogadores, como o atacante servo-montenegrino Kezman e os meias Petrov e Maxi Rodríguez. Em um elenco que já contava com Perea, António López e, sobretudo, Fernando Torres, seria suficiente para colocar o Atlético na luta pela Liga dos Campeões.

Ledo engano. A defesa tem bons jogadores, mas sofre com a fraqueza do meio-campo. Nesse setor, os volantes na têm técnica para ajudar na armação e não têm poder de marcação a ponto de proteger a defesa. Por isso a imprensa espanhola tanto especula sobre a ida de Mascherano a Manzanares. Para piorar, Petrov e Maxi Rodríguez não têm criatividade suficiente para armar as jogadas com competência.

Sem um meio-campo eficiente – fator chave nas equipes de Bianchi –, o Atlético não tem contundência. O time até domina as partidas, mas peca pela falta de poder de definição. A torcida se irrita e, em um clube que tem sofrido com uma crise de identidade nos últimos anos, a perda de autoconfiança é imediata.

Nesse cenário, a saída de Bianchi parece cada vez mais fácil. A diretoria diz confiar no técnico e afirma que espera reforçar as posições carentes no mercado de inverno na Europa. O tcheco Rosicky é dado como certo para o setor de armação. A prudência, por enquanto, parece a melhor saída. Até porque foi justamente a pouca paciência que ajudou a afundar o terceiro maior clube da Espanha na última década.

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Curioso é que, mesmo com esses problemas, o Atlético de Madri foi o único time a vencer o Barcelona na atual temporada.

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Depois que morreu, em 2003, Jesús Gil se transformou em ícone paixão de uma pessoa pelo Atlético de Madri. Hoje, além de ser lembrado com carinho, teve seu nome utilizado em um amistoso contra o Real para o combate ao racismo.

Ubiratan Leal
Imagens: Marca (Ibagaza), Atlético de Madrid site não-oficial (Jesús Gil e Time de 1996) e As (Atletico x Alavés)

2 comentários:

Anônimo disse...

Depois dizem que o Barça e o Real são os times mais brasileiros da Espanha. A Atlético tem muito mais a ver: dirigente incompetente, torcida cega e falta de craques.

Sbub

Anônimo disse...

Do ótimo Futebol ao Sol e à Sombra, do Eduardo Galeano:

Jesús

Em meados de 1969, foi inaugurado um grande salão de festas, para casamentos, batismos e convenções, na serra espanhola de Guadarrama. Em plano banquete de inauguração, ruiu o piso, caiu o teto e os convidados ficaram sepultados sob os escombros. Houve cinqüenta e dois mortos. O prédio tinha sido construído com recursos do Estado, mas sem licença oficial, nem projeto registrado, nem arquiteto responsável.

O proprietário e construtor do efêmero edifício, Jesús Gil y Gil, foi preso. Passou na cadeia dois anos e três meses, quinze dias por cada morto, até ser indultado pelo generalíssimo Franco. Nem bem saiu da prisão, Jesús voltou a seus negócios e continuou servindo ao progresso da pátria no ramo da construção.

Algum tempo depois, este empresário se tornou dono de um time de futebol, o Atlético de Madri. Graças ao futebol, que o transformou em personagem da televisão e lhe deu popularidade, Jesús pôde abrir caminho para sua carreira política. Em 1991, foi eleito prefeito de Marbella, com a maior votação da Espanha. Em sua campanha eleitoral, prometeu que limparia de ladrões, bêbados e drogados este centro turístico consagrado à sã diversão de xeiques árabes e mafiosos internacionais especializados no tráfico de armas e de drogas.

O Atlético de Madri continua sendo a base de seu poder e de seu prestígio, embora a equipe perca com demasiada freqüência. Os técnicos não duram mais que um par de semanas. Jesús Gil y Gil discute o assunto com seu cavalo Imperioso, um corcel alvo e bom reprodutor:

– Imperioso, perdemos.
– Eu sei, Gil.
– Quem tem a culpa?
– Não sei, Gil.
– Você sabe, Imperioso. A culpa é do técnico.
– Então, demita-o.