sexta-feira, janeiro 27, 2006

Futebol carioca não precisa se bastar em símbolos

Em época de Estaduais, um discurso muito comum é que, apesar do dinheiro, da força do interior e da situação de seus clubes, o Campeonato Paulista não consegue ter o mesmo charme de seu equivalente do Rio de Janeiro. É verdade, sobretudo por uma característica cultural da antiga capital federal: o cultivo de símbolos e ícones.

Cidade com uma história muito mais longa que São Paulo – apesar de a capital paulista ser 11 anos mais velha, foi por muito tempo apenas uma vila a mais no Brasil – e ex-sede do governo federal, o Rio até hoje carrega resquícios do período romântico em que tudo parecia girar em torno da cidade. Tanto que a identidade brasileira até hoje é construída na capital fluminense. E os cariocas se identificam dessa maneira, ao contrário, por exemplo, dos paulistanos, que esquecem seus símbolos em nome do que eles entendem por progresso.

Essa alimentação de ícones, de momentos de um período muito mais romântico do futebol, do Rio de Janeiro e do Brasil como um todo faz parte do “charme” do Campeonato Estadual do Rio. Até porque é difícil concorrer contra um torneio que, em sua trajetória, tem o Maracanã, um clássico foneticamente tão envolvente quanto o Fla-Flu e uma história escrita por cronistas como Nélson Rodrigues, sempre ao som de uma época em que a música produzida nesse país era muito melhor que hoje.

Ao ver a situação atual do futebol carioca e essa análise, pode parecer que se agarrar a tais símbolos é negativo. Pelo contrário. É parte da cultura do torcedor do Rio de Janeiro e, sem isso, ele perde sua referência. Não é à toa que a decadência do futebol da antiga capital federal começou com a interdição do Maracanã após o Botafogo x Flamengo pela final do Brasileirão de 1992.

O problema é que, sem que muitos percebam, os símbolos perderam seu significado e se tornaram apenas caricaturas. Em teoria, símbolo é um elemento que representa algo real. No entanto, basta olhar a escalação dos clubes cariocas para perceberem que os ícones da grandiosidade do futebol do Rio não representam uma realidade atual, mas um momento do passado.

Assim, os 5 x 3 do Botafogo sobre o Vasco podem ter sido emocionantes, mas soam como conseqüência de um jogo aberto entre duas equipes tecnicamente fracas. A reabertura do Maracanã deve ser festejada, mas o fato de as obras terem atrasado e estarem pela metade mostram que a volta efetiva do estádio ainda está por vir.

Mas nada tão claro quanto o caso de Romário em busca dos mil gols. Por mais que seja um desejo legítimo do jogador, soa como caricatura de sua própria carreira. Até porque um clube com tantas dívidas como o Vasco não deveria gastar dinheiro oficializando jogos-treino. Ou será que a representação real dessa busca do milésimo gol do baixinho são os favores que a direção do Vasco devem ao jogador, grande credor cruzmaltino?

O futebol do Rio de Janeiro não pode jamais deixar de lado o folclore que o cerca, pois é um aspecto cultural de seu torcedor. No entanto, só se recuperará quando conseguir dar algum sentido, uma representação real, a tantos símbolos que criou durante a história. E não achar que ter tantos ícones é glória suficiente.

Ubiratan Leal

6 comentários:

Anônimo disse...

Ubiratan, muito bom o texto, mas acho que você pode justificar as margens.

Ubiratan Leal disse...

Bem, acho que nãof az muita diferença. Em veículo impresso, justificar é bom. Mas, em internet, fica visualmente ruim. Mas o motivo de eu não justificar o texto é que o sistema não permite.

Anônimo disse...

Times fracos e decadentes e imprensa local oba-oba.

O "charme" é mais que subjetivo.

Daniel F. Silva disse...

Uai, Miltão, ficou recalcado agora? :-D

Mudando de assunto, o charme do futebol do Rio é inabalável, por pior que seja sua fase. Somente dirigentes que amem os clubes e não seus bolsos poderão tirá-los dessa situação em que se encontra.

Mesmo com o bom jogo da volta, o Maracanã ainda tem muitos problemas estruturais. E muita gente boa que conheço não se convenceu muito da reforma, não...

Um pouco do encanto se perdeu com uma reportagem da Placar de fevereiro: em jogos disputados desde que estreou como profissional, Romário ainda tem menos de 900 gols - ou seja, ele terá que jogar mais uns quatro anos, mantendo a média de gols, pra alcançar o milésimo gol...

Anônimo disse...

Esse negócio de charme é coisa pra passarela... O futebol hoje exige profissionalismo...

Depois chegam no Brasileiro ficam cheios de charme lutando contra o rebaixamento...

Anônimo disse...

Pois é Ubiratan muito interessante seu texto, ainda mais quando sabemos dos problemas que o futebol carioca enfrenta há anos. No entanto, o campeonato carioca mostra ter uma fórmula interessante e que permanece quase inalterada há muitos anos e mesmo sem ter os melhores jogadores, a melhor estrutura e outras importantes características, atrai um público que muitos campeonatos estaduais com federações e clubes mais organizados gostariam de ter, mas não conseguem e mesmo com todo o profissionalismo padecem com estádios vazios por vários anos seguidos.