terça-feira, janeiro 17, 2006

Um festival de futebol

No último domingo, a federação mineira decidiu dar mais uma arfada de ar para a quase sufocada história do Torneio Início. Tratado hoje como um algo fora da realidade ou moribundo, esse tipo de competição é quase tão antiga quanto os campeonatos “normais” no país. E, por mais que nunca tenha recebido valor efetivo, possuía uma grande dose de simbolismo.

Em 1916, a Associação de Cronistas Desportivos do Rio de Janeiro sugeriu a criação de uma competição rápida que reunisse todos os clubes que disputavam o Campeonato Carioca. A idéia era que servisse de uma prévia do estadual, permitindo aos torcedores conhecer todos os times que dele participariam. O público concorria a prêmios e a associação ficava com a renda.

O formato proposto procurava tratar esse torneio como algo lúdico, quase uma brincadeira. Assim, os jogos seriam sempre eliminatórios, com dois tempos de 10 minutos (dois tempos de 30 na final) e desempate em escanteios conquistados. E foi assim que, naquele ano, América, Andaraí, Bangu, Botafogo, Flamengo, Fluminense e São Cristóvão entraram em campo para a disputa do Initium, o primeiro Torneio Início do Brasil. O Fluminense foi campeão ao bater o América na final, em uma edição que teve apenas um duelo sem gols.

Além de apresentar todos os participantes do estadual, o Torneio Início oferecia uma tarde inteira de futebol descontraído e sem compromisso, inclusive com a possibilidade de ver grandes surpresas. Com isso, ganhou espaço e logo se espalhou pelo resto do país.

Os primeiros Estados a adotarem a idéia dos cariocas foram do Norte-Nordeste: Pernambuco e Rio Grande do Norte criaram seus Torneios Inícios em 1919 (Santa Cruz e América de Natal ficaram com as taças) e Ceará e Amazonas o fizeram em 1920 (Bangu, como convidado, levou o título no Ceará e Manaós no Amazonas). Mas não demorou para o Sul-Sudeste também entrar na onda, com São Paulo em 1922 (Corinthians campeão), Santa Catarina em 1924 (Figueirense) e Minas Gerais em 1927 (América).

Os Torneios Inícios tiveram seu auge nas décadas de 1930 e 40. Em 1950, inclusive, o primeiro clube a comemorar um título no Maracanã foi em um Torneio Início. No caso, o Bangu de Zizinho, que bateu o Vasco por 3 x 2 na decisão da prévia do Carioca daquele ano.

Mas já era o início da crise desse tipo de competição. Muitas edições foram canceladas por falta de verbas, data ou disposição, minando a aura de “tradicional abertura” dos campeonatos. Além disso, o futebol já era algo muito grande e exigia infra-estrutura de estádio para as equipes que se reuniriam todas no mesmo local e espaço nas arquibancadas para torcedores de várias equipes.

Para piorar, alguns clubes – os grandes – passaram a considerar esse tipo de competição um desperdício de energia e já não mais alinhavam seus principais jogadores. Assim, o Torneio Início perdia o valor de “apresentar” todos os times do estadual, já que muitos não estavam com sua força real. Ainda servia para mostrar os clubes pequenos e menos conhecidos, mas isso não era algo tão atraente assim.

Os principais Estados, como Guanabara, São Paulo e Minas Gerais, abandonaram o torneio na década de 1950 ou 60. O Rio Grande do Sul organizou apenas quatro edições na década de 1950 e nem deve ser levado muito em conta nessa história. No Nordeste, os valores originais do Torneio Início permaneceram fortes por mais tempo. Alagoas e Pernambuco mantiveram suas competições até a década de 1980.

Hoje, o Torneio Início só é lembrado nos centros mais fortes do futebol brasileiro quando a federação local decide, por algum motivo, fazer alguma festa ou comemorar algo especial. Em São Paulo, a competição foi reavivada em 1984, 86, 91 e 96. Em Minas Gerais, foi disputado em 1983 e 2006.

Ainda assim, esse formato de competição está vivo nos centros menos tradicionais. Nesses lugares, ainda há importância de organizar uma grande festa para marcar o início do estadual e de apresentar os times que disputarão o campeonato aos torcedores. Casos de Acre, Amazonas e Rio Grande do Norte. Aliás, esses dois últimos são os únicos Estados brasileiros que organizam Torneios Inícios com certa constância desde sua criação (há anos em que não há disputa, mas pode-se dizer que o torneio vive de maneira intermitente).


A Adesg-AC comemora o título do Torneio Início de 2005

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O Balípodo não considera inviável a manutenção dos Torneios Inícios. Desde que sejam devidamente organizados, tenham atrativos aos clubes ($$$) e sejam uma festa. É algo que está muito mais dentro da cultura brasileira do que o “All Star Game” que a CBF organizou entre Corinthians e a seleção do Brasileirão, algo fora de contexto com jogadors que já estavam teoricamente de férias.

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Praticamente todas as informações históricas vieram do RSSSF.

Ubiratan Leal

Imagens: Jornal Sete Dias (Democrata de Sete Lagoas), Bangu.net (Bangu 1950) e A Gazeta (Adesg)

Um comentário:

Anônimo disse...

Ubiratan, esse Bangu que foi campeão do Torneio Início de 1920 no Ceará não era o mesmo Bangu do Rio de Janeiro. A primeira excursão do Bangu ao estado ocorreu somente em 1949. É provável que eles tenham criado um homônimo do Bangu por lá naquela época.