segunda-feira, janeiro 23, 2006

Bolívia vê “revolução indígena” também no futebol

Neste domingo, Evo Morales se tornou o primeiro presidente da Bolívia de origem indígena. Como ocorreu na posse de Lula no Brasil e de Hugo Chávez na Venezuela (e não cabe aqui julgar as escolhas dos eleitores desses países, apesar de tudo ser claramente parte de um mesmo processo na vida política da América Latina), a vitória do ex-sindicalista do setor cocalero levou seu país a uma onda de otimismo e expectativa de mudanças pelo fato de um aymará (segundo maior grupo indígena da Bolívia, atrás dos quéchuas) estar no poder. Pois a eleição de Morales não é o único fato que mostra um aumento da causa indígena na sociedade boliviana. Isso ocorre também no futebol.

Em 2005, foi fundado o Deportivo Pachakuti, clube com sede em La Paz e elenco 100% aymará. Na temporada de estréia, o time indígena teve uma campanha impressionante. As primeiras partidas pela Segunda División de Aficionados da Asociación de Fútbol de La Paz (equivalente à sexta divisão da Bolívia) foram arrasadoras, com 3 x 1 sobre o Santos, 8 x 0 no Boca Juniors, 2 x 0 em cima do Cáli e 5 x 0 contra o Barrientos. No final, a equipe foi campeã com uma rodada de antecipação.

Porém, os resultados do Pachakuti são menos importantes do que seu significado social. Até porque sua criação não está dissociada do fenômeno político boliviano. O clube é um braço futebolístico do Movimiento Indígena Pachakuti, partido político liderado por Felipe “Mallku” Quispe Huanca, também ex-líder sindical de origem aymará.

Mallku (“O Príncipe” em aymará) muitas vezes é visto como aliado de Morales (na foto, ambos estão juntos com Quispe à esquerda), mas ele várias vezes criticou o atual presidente da Bolívia por ter uma postura muito branda. Quispe já defendeu o uso de armas para a tomada do poder, foi acusado de terrorismo pelos Estados Unidos e propõe uma reformulação total da sociedade boliviana para que se adote um sistema semelhante ao empregado pelos incas.

O nome de seu clube de futebol segue sua linha ideológica, ou pelo menos reflete o papel histórico que Quispe se dá. Pachakuti (também conhecido como Pachacútec, dependendo da forma como se escreve em alfabeto latino o nome que, em quéchua, significa “O Reformador da Terra”) foi o maior imperador do Tawantinsuyo (Império Inca). Grande general, ele promoveu um imenso processo de expansão territorial por boa parte dos Andes e da costa pacífica, transformando o pequeno povo no principal império da América do Sul pré-colombiana. Além disso, estabeleceu as bases da organização social e política do incanato.

Neste contexto, o Deportivo Pachakuti é carregado de simbolismos e ideais nacionalistas. A camisa é toda preta com a wiphala – bandeira do povo aymará, vista ao fundo na foto acima – no peito e os jogadores são chamados de “filhos do sol” (de acordo com a lenda, o povo inca teve origem no casal Manco Cápac e Mama Ocllo, filhos de Inti, o Deus Sol). Com isso, Quispe pretende revelar jogadores aymarás que se identifiquem com a causa. Nisso, Mallku pega carona também na discussão do uso indiscriminado de jogadores estrangeiros, muitos naturalizados, no futebol boliviano.

Felipe Quispe pode até desistir de seu projeto futebolístico ou não obter sucesso em divisões mais importantes do futebol boliviano. Mesmo assim, a fundação do Pachakuti foi suficiente para transformar o futebol em mais um fórum para a manifestação dos indígenas do país. Ainda mais em um momento em que o maior líder político do país também tem origem pré-colombiana.


O time-base do Pachakuti na temporada de estréia: Daniel Rojas; Ismael Condori, Víctor Quispe, Álvaro Conde e Froilán Poma; Rubén Osco, Edson Zapana, William Choque e Omar Callizaya; Jheyson Uría e Gueri Guari. O técnico foi Mario Callizaya

Ubiratan Leal

Imagens: La Razón e Wikipedia

Um comentário:

Anônimo disse...

Alguém já tentou falar Gueri Guari várias vezes, rapidamente, sem gaguejar?
E as vezes eu me pergunto onde o Ubiratan vai buscar notícia da 6ª divisão do belo e técnico futebol boliviano.