segunda-feira, janeiro 09, 2006

No Uruguai, quem manda é ele

Assim que caíram diante da Austrália na repescagem, os uruguaios logo começaram a buscar culpados. O curioso é que o principal responsável para boa parte da opinião pública charrua não foi o técnico Jorge Fossati, os jogadores ou os dirigentes, mas um empresário: Francisco “Paco” Casal. A acusação é que ele, para defender seus interesses financeiros, levou o futebol celeste a uma de suas piores crises. E ele teria poder para isso.

Curiosamente, Paco Casal tem uma relativa relação com o Brasil. Peñarolista declarado, foi criado no bairro de Bella Vista, em Montevidéu, mas nasceu em São Paulo. Começou sua carreira como lateral do Defensor. Fez apenas 14 partidas profissionais pelo clube violeta. Depois, quase acertou com o Vasco, mas acabou no Nacional. Encerrou sua carreira melancólica de jogador profissional no início da década de 1980, no Fénix, na época um time de Segunda Divisão.

Até aquele momento, Casal não havia deixado motivos para ficar na história do futebol uruguaio. Até que, em 1988, ele ajudou um amigo jogador, Juan Ramón Carrasco, a negociar sua transferência do Nacional de Montevidéu para o Tecos UAG, do México. Imediatamente, o empresário iniciante montou uma grande rede de influência no futebol uruguaio, assinando com alguns dos principais jogadores celestes da época.

Em 1990, às vésperas da Copa do Mundo, Paco Casal já tinha sob contrato Francescoli, Rubén Sosa, Aguilera, Fonseca, Gutiérrez, Perdomo, Rubén Pereira e Bengoechea. Todos jogadores que defenderam a Celeste Olímpica no Mundial italiano. Sua influência era tão grande que o presidente do Uruguai na época, Julio Sanguinetti, chegou a pedir para Casal intermediar o contato com Gianni Agnelli, dono da Juventus... e da Fiat.

Porém, o poder do empresário era mais forte ainda dentro do Uruguai, onde ele já era dono do passe de vários jogadores. Há suspeitas que a designação de Luís Cubilla para técnico da seleção charrua em 1991 foi indicação de Casal. Amigo do empresário, o treinador teve como primeira decisão não convocar mais jogadores que atuassem no futebol europeu.

Chamando apenas atletas “nacionais”, Cubilla acabou valorizando muitos dos pupilos de Casal. A indicação de Daniel Passarella como comandante celeste, anos depois, também seria obra do empresário. Outro fato “estranho” é que Diego Forlán, provavelmente o melhor jogador uruguaio da atualidade, só foi convocado para a seleção após ser contratado pelo Manchester United. Enquanto atuava pelo Independiente, da Argentina, era esquecido.

Em pouco tempo, os clubes uruguaios já eram dependentes do ex-lateral do Defensor para comprar jogadores ou vender à Europa por um bom valor. Ciente dessa simbiose que se criava, Casal não hesitava em emprestar dinheiro a clubes endividados, apenas para aumentar sua rede de amizade no comando do futebol cisplatino. A ponto de Ramón Barreto, presidente do Rampla Juniors, declarar que faria qualquer coisa por Paco.

A cartada final para fechar o círculo foi comprar os direitos de transmissão do Campeonato Uruguaio. Casal aproveitou sua força como sócio (ainda que minoritário) para convencer a Torneos y Competencias a investir no futebol da outra margem do rio da Prata.

Isso desagradou aos empresários de televisão do país, já que a TyC trabalha com emissoras por assinatura. Ainda assim, Paco ganhou a briga. Em 1998, criou em sociedade com Francescoli, Nélson Gutiérrez (ex-zagueiro da seleção uruguaia) e a brasileira Traffic, a Tenfield Digital, empresa que comprou por 10 anos os direitos de transmissão do campeonato cisplatino.

Como era de se esperar, o contrato não era nada favorável aos clubes. Em todo o período de vigência do compromisso, a AUF (federação uruguaia) receberá US$ 50 milhões, um valor extremamente baixo, até porque o contrato dá à Tenfield o direito de exploração de diversas outras mídias. Alguns dirigentes reclamaram, denunciando inclusive favorecimento a Casal na concorrência, já que outra empresa havia oferecido US$ 32 milhões a mais e um acerto que daria uma participação maior aos clubes.

Depois, descobriu-se que Casal emprestara US$ 1,9 milhões à AUF para poder dar início ao Torneo Apertura daquele ano. A crise só não ficou mais grave porque a TyC, que tinha preferência na renovação do contrato, interveio e igualou a proposta da Tenfield e renegociou os direitos de transmissão com as duas concorrentes.

Esperto, Casal tratou de usar seus contatos para estender seu grupo além das fronteiras uruguaias. O empresário criou a Gol TV, canal de TV por assinatura especializado em futebol que atende o mercado dos Estados Unidos e Canadá.

Com isso, os torcedores uruguaios e a parte independente da imprensa (porque, claro, Casal tratou de “domesticar” muitos jornalistas no processo) passaram a ver as atitudes do empresário como responsáveis pela decadência do futebol charrua desde o início da década passada. Afinal, ele teria sucateado os clubes financeiramente e desvirtuado a seleção nacional.

Assim, foi inevitável que seu nome aparecesse após a eliminação da Copa de 2006. O técnico Hugo de Leon disse que a seleção celeste “está privatizada, não é o Uruguai que esta representado, mas os interesses de um empresário de jogadores e de direitos de transmissão de jogos”. No entanto, é difícil imaginar como, em curto prazo, o paulistano de nascimento, ex-lateral do Defensor e poderoso empresário do futebol perca sua capacidade de articulação.

*

Jogadores empresariados por Casal hoje: Álvaro Recoba (Internazionale), Pablo García (Real Madrid), Diogo (Real Madrid), Fabián Carini (Cagliari), Darío Silva (Portsmouth), Javier Chevantón (Monaco), Regueiro (Valencia), Richard Morales (Málaga), Marcelo Zalayeta (Juventus), Richard Núñez (Cruz Azul) e Rubén Olivera (Juventus)

Ubiratan Leal

Imagem: Espectador.com (Casal) e Tenfield (logo Tenfield)

3 comentários:

Anônimo disse...

Ubiratan,

Não é copa de 2006?

Ubiratan Leal disse...

Cara, escrever com sono dá nisso...

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.